O cantor e compositor Gaê lançou o EP inédito “Só - A Dois”, que compila faixas gravadas e produzidas durante a pandemia e o isolamento social. O material, inicialmente seria trabalhado em um segundo álbum, mas, por conta do apelo social vivido atualmente, foram antecipadas para 2020.
Gabriel Estrela, sob a nomenclatura Gaê, buscou dialogar com o público sobre a experiência do diagnóstico e de viver com o HIV, descoberto há 10 anos. Em cada uma das quatro músicas presentes na compilação, há o apelo ao sentimento despertado em relação às grandes mudanças e perdas que a vida proporciona.
“Antecipar a chegada dessas músicas ao público foi uma surpresa para mim. Não tinha planejado falar dessa questão antes do meu primeiro álbum… Mas aí vem uma pandemia e eu não consigo deixar de traçar o paralelo entre o que estamos vivendo e o que foi vivido com a Aids na década de 80… Essas canções me pareceram, de repente, mais urgentes do que o que eu vinha preparando antes da quarentena”, conta o artista.
Leia a entrevista do Lindie com Gaê:
Lindie: Como foi o processo de escrita das músicas do EP?
Gaê: Foi variável. Nenhuma das músicas foi escrita esse ano. “Dava” e “Esquinas” foram feitas em 2012. A primeira, foi brincando com a ideia e colocando no papel. A segunda foi um vômito muito forte. Eu estava Em São Paulo e senti uma vontade muito grande de escrever, essa letra chegou inteira na minha cabeça e eu precisei parar para anotar Estava em uma mesa do Mc’Donalds e lembro que o meu ex-namorado me olhava sem entender nada enquanto eu anotava sem parar.
Então, quando surgiu a ideia de lançar material para esse ano com essa temática - inicialmente, esse plano estava previsto para integrar o meu segundo álbum - foi um processo de revisitar a letra, a ideia e as nuances das faixas que eu tinha em mãos. É isso, foi um processo de revisitar as músicas que eu já tinha e que se encaixavam no EP.
Lindie: Sobre a temática das faixas, você sempre quis produzir um material com esse teor social de conscientizar o seu público sobre o HIV?
Gaê: Antes de trabalhar com música, eu trabalhei durante muito tempo promovendo a conscientização em relação ao HIV, com saúde sexual, prevenção. Tive um canal no Youtube, apresentei TEDx Talks….Durante esse tempo, as pessoas presentes nesse projeto sempre buscaram promover conteúdos e integrar essa frente de conscientizar por meio de três espectros: arte, informação e acolhimento. Entre 2016 e 2017, fizemos um show de música e me veio a ideia de tentar usar a música como mais uma alternativa, pois a gente já tinha o viés da arte.
Lindie: E como foi a experiência de gravar e reproduzir as músicas durante a quarentena?
Gaê: Quando decidi fazer esse EP, saí de São Paulo e fui para Brasília achando que seria mais tranquilo. De fato estava, mas eu precisei ficar duas semanas em isolamento em São Paulo antes de ir e, quando cheguei, os casos em Brasília já estavam subindo muito rápido. Do nada, virou o pior lugar da pandemia no Brasil. Isso interrompeu três vezes a produção das músicas e clipes por conta de casos positivos, um deles o meu.
Nós músicos temos esse apreço pelo “fazer”. Então estamos sempre produzindo, encontrando formas de fazer algo novo, com conceitos atuais. Vemos muita gente ir trabalhar obrigado, sem querer, mas com os músicos e pessoas envolvidas com a produção musical não é assim e é difícil aceitar a felicidade nesse momento. Foi uma gravação, apesar dos pesares, muito boa, um momento de alento por estar entre amigos e pessoas queridas. Era o ponto alto da semana.
Lindie: Quais as maiores influências musicais para a produção dele?
Gaê: Olha, não teve uma influência demarcada, escolhida e seguida à risca do começo ao fim, então eu não saberia dizer. A produção não contou com um produtor artístico para lidar com essa parte e não tinha uma preocupação grande com a homogeneidade sonora. O que nós pensamos em fazer, a partir das músicas feitas em diferentes épocas, foi colocar a voz somada a um instrumento. Nesse sentido, temos “Último Dia”, que é um tango, mas também temos músicas com um estilo soul funk. “Ao avesso”, escrita pelo meu pai, só na voz e violão. Por conta da pandemia, cada faixa tem uma sonoridade distinta.
Lindie: Quais seus planos para o futuro da sua carreira?
Gaê: Antes de estar engajado em causas de conscientização do HIV, eu já era músico. Sempre escrevi e fui juntando muito material. Quando a pandemia estourou, eu estava gravando o meu álbum de estreia e já tinha até colocado essas músicas do EP no planejamento do meu segundo álbum. Do jeito que eu sou, o louco das planilhas, é difícil planejar algo para o futuro. Hoje, para falar ao menos uma coisa, o plano seria terminar meu disco, que já tem dois singles lançados - Onde Está a Estrela?, em parceria com Bemti, e Geladeira -, mas ainda faltam 7 faixas para gravar e produzir. Então, quando for possível, vou terminá-las. Espero conseguir fazer isso já no primeiro semestre de 2021.