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Fernando Mascarenhas posando para a câmera sério, com um efeito em preto e branco.

Publicado porLuisa Pereira

em 03/05/2021

A ideia de gravar o primeiro álbum em estúdio, convidar outros músicos e ter um lançamento nos moldes normais, com shows e entrevistas presenciais, ficou em segundo plano quando, ainda no planejamento da produção do disco, a pandemia começou. Os acontecimentos, no entanto, foram o ponto de partida para que o enredo central de Dizperto fosse encontrado por Fernando Mascarenhas.

Como uma viagem entre influências da MPB, do jazz, do rock e até da música eletrônica e letras que apresentam um misto de ausência, saudade e indignação política, o artista conseguiu condensar suas raízes musicais em 14 faixas e moldar seu indie pop cancioneiro. Todas as músicas do álbum foram compostas por ele - exceto Cigana e Tábua das marés, que também são assinadas por Bernardo Guerra - ao longo dos últimos cinco anos, desde que a banda da qual fazia parte, Paquiderme Escarlate, terminou.

Dizperto foi pensado e produzido para ser ouvido do início ao fim. O início desta jornada é com Dia 37, música escrita no trigésimo sétimo dia da quarentena e que deu o tom inicial ao álbum. Com uma letra marcada pela ausência de contato humano, a faixa faz uma homenagem ao Arnaldo Baptista, “uma das minhas maiores influências”, afirma.

Em seguida, surge Cidade marcada pela letra política, com influência da época em que Fernando viveu em São Paulo. Saindo do lado mais rock do artista, Bilhete é uma balada e a que mais expressa a sonoridade do pop. Escrita em 2016, a canção se encaixa como uma continuação de Dia 37, mesmo sendo anterior à ela. Segundo o artista, a sonoridade foi influenciada por Oasis e pelos conterrâneos do Skank.

Cigana - escrita em parceria com Bernardo Guerra, na Ilha de Boipeba (BA), em 2019 - é a canção mais diversa esteticamente. “Acho que tem quase tudo nela, porque você vai achar a influência do rock, mas ela não é uma música rock, ela é uma música que passa muito ali pelas influências de coisas brasileiras que eu tenho”, relata o artista em entrevista.

A quinta música é A Barragem e, assim como Cidade, apresenta um cunho político forte, registrando a tragédia do rompimento das barragens em cidades de Minas Gerais, em 2015 e 2019. Na sequência, É Estranho - a faixa mais mineira do álbum, de acordo com Fernando - faz uma homenagem ao Clube da Esquina, em especial Milton e Lô Borges.

Pernoite reflete sobre o quão libertador é a experiência de conseguir fazer as coisas sozinho e apresenta uma palinha de ritmos latinos. Já Crônicas de uma família comum brasileira, traz algumas características de sua família nas entrelinhas e retorna à MPB. Mágica se apresenta como  uma canção sobre a vida moderna e traz a influência do indie rock dos anos 2000.

Com uma introdução com múltiplas vozes, Paisagem urbana começa a soar após a canção anterior. Ela, também de cunho autobiográfico, traça o cotidiano de um trabalhador em sua jornada no transporte coletivo. Quase uma continuação, Tanto faz apresenta um eu lírico que cansa da vida burocrática e sistêmica e decide deixar a cidade.

Décima faixa de Dizperto, Cão foi inspirada em George Orwell em Revolução dos Bichos e feita como uma mini ópera de três movimentos em um flerte com o rock progressivo psicodélico. Na segunda - e última - composição em parceria, Fernando repete a dupla com Bernardo Guerra em Tábua das Marés. Com uma inclinação no pop, a canção faz alusão aos mistérios do mundo sob o ponto de vista do eu lírico.

Por fim, Vou seguir fala sobre estar consciente, retornando à temática do álbum que, mesmo não falando especificamente sobre a pandemia, carrega consigo assuntos em comum com o momento, além de sua história e produção, quando Fernando passou 25 dias envolvido na gravação e finalização com Yuri Lopes.

Leia a entrevista do artista na íntegra:

Lindie: Qual a sua história com a música?

Fernando: A minha experiência com a música vem desde o berço, tanto meu pai quanto minha mãe gostavam muito e a gente tinha uma coleção de LP’s em casa e muitas das minhas influências são dessa época. Elas ouviam bastante MPB, Clube da Esquina, Secos & Molhados, principalmente coisa brasileira. Meu pai, em especial, era muito fã de The Rolling Stone e a minha mãe do Pink Floyd.

O interesse em tocar e compor aconteceu quando eu tinha 14 anos. É uma história engraçada porque meu pai deu um violão para a minha irmã - mais nova -, que se interessou primeiro e eu ficava vendo ela tentando tirar as músicas. Nessa época, eu estava focado em outras coisas, consumia muita música, mas não tinha tentado tocar ainda. Um dia, ela tentando aprender, eu quis testar também e foi amor à primeira vista, nunca mais soltei ele. Comecei a compor meio de brincadeira e, com o tempo, encontrando outras pessoas com interesses em comum, entrando em bandas, participei de várias em Belo Horizonte. 

Lindie: Como é compor, produzir e lançar um álbum na carreira solo e quais as diferenças para a carreira em bandas e grupos?

Fernando: Eu gostava muito da experiência de ter banda pelas coisas serem feitas democraticamente, todo mundo colocando um pouco o dedo e fazendo as coisas em parceria. Isso formou o compositor que eu sou hoje, sem dúvidas. Foi muito importante compor com outras pessoas e ver esse processo criativo de diferentes maneiras. Mas o detalhe da banda é que são muitas vidas para conciliar, acho que todo mundo que já participou de um grupo passa pela fase em que um quer uma coisa, o outro outra. No nosso caso, a gente teve uma banda que chegou a ter um reconhecimento local, tocamos até em outros estados - chamava Paquiderme Escarlate - e acabou em 2014, com um disco lançado, mas o vocalista acabou mudando de país para trabalhar. Como ele era o vocalista, ficou difícil continuar.

Como eu nunca tinha me encarado como um vocalista principal - eu compunha material, tocava e cantava algumas coisas -, então foi difícil me entender como artista solo, a voz principal, com as fotos de divulgação estampando a minha cara. Mas, no final das contas, foi muito legal, apesar de um longo processo, já que quando a gente é artista solo, temos muito mais coisas para trabalhar no material do que quando você está em uma banda. Porém, tem sido muito positivo porque consigo fazer exatamente o que eu queria, selecionei todas as músicas do disco, mesmo com um músico convidado, tudo passou pelo meu crivo. Então existem os dois lados, a banda é muito interessante, mas eu sinto que com a carreira solo consigo me mostrar um pouco mais para o público.

Lindie: Vimos que você já tinha algumas músicas desse álbum feitas. Mas como foi o processo de escrever o restante e gravar durante a pandemia?

Fernando: Eu sempre fui um compositor compulsivo. Aprendi que eu não preciso escrever apenas músicas boas. Escrevo e, depois de alguns meses, gosto de revisitar e selecionar as que são legais e as que não são. Uso essa técnica para não cair em um bloqueio criativo, porque quando você se prende muito no resultado, acaba não aproveitando o processo, e componho em grande escala. Então eu vim trabalhando nessas músicas durante os anos e concebendo a ideia desse álbum, se ele seria um compilado de músicas minhas ou se teria uma proposta, quais os tipos de elementos ele teria, quem tocaria comigo...foram 5 anos planejando e tive essa vontade de começar a trabalhar no disco no início de 2020. Nisso, separei algumas músicas e, em uma viagem de férias na Serra da Mantiqueira, levei meu violão para trabalhar meu repertório para entender quais dialogavam entre si e já estava conversando com algumas pessoas para me ajudar e analisando os estúdios, já que eu gostaria que a gravação fosse assim. Quando as coisas já estavam todas planejadas, começou a pandemia, de uma hora para a outra.

Eu tinha listado umas 20 músicas que eu considerava interessantes e no meio desse processo, como sempre escrevi sobre as minhas vivências, fiz uma música sobre esse momento, que é Dia 37, o primeiro single a ser lançado. Essa música, não que ela seja minha preferida, mas foi importante para eu observar o tema. Como eu não queria que ficasse muito datado focado apenas na pandemia, usei umas figuras de linguagem e percebi que a temática central ficou ligada com a ausência, com a distância, a saudade. Olhei para outras composições e reparei que várias delas tinham esse recorte e achei que essas músicas conversavam entre si.

Com o passar do tempo, a pandemia não melhorou muito e eu aceitei que iria fazer parte desse disco ser gravado em casa, já que eu não iria me deslocar para um estúdio. Conversei com um amigo músico de longa data. A gente já tinha tocado várias vezes juntos e já tínhamos feito participações especiais nessa banda. Foi muito legal, porque ele tinha o que eu não tinha e juntamos nossos equipamentos. Eu precisava de pelo menos uma pessoa para me ajudar na gravação. Foi uma imersão de 25 dias, assim, ele passou esses dias aqui em casa, a gente tinha separado 20 músicas, no final das contas, acabamos gravando 14 delas. Foi uma experiência muito transformadora, porque era assim: acordar, tomar café e já estávamos falando sobre música, brincando com o instrumento ali na sacada. Até mesmo na hora que a gente não estava gravando, estávamos tocando, conversando sobre os arranjos. Esses dias foram, literalmente, só pensando em música, gravando o tempo inteiro, incomodando os vizinhos. Eu achei muito legal a experiência. A gente teve que se virar com o que tínhamos, por exemplo, eu não só toco teclado, toco piano e baixo também. E um tempo atrás eu tinha vendido o meu teclado, então ia chamar um tecladista, não conseguimos arrumar o instrumento e o álbum acabou ficando sem teclado e olha que eu sou tecladista! Mas isso foi muito legal, deu uma coisa mais visceral e não ficou tão coloridinho os arranjos, vão fazer uma coisa mais visceral, mesmo.

E outra coisa foi eu moro numa casa e tenho um monte de vizinho. Fizemos um isolamento acústico para conseguir captar o melhor possível, mas não dava pra tocar a bateria, porque é muito escandaloso. A gente não tem a vedação acústica necessária. Então, tocamos a bateria eletrônica, que dá pra você abaixar o volume. Então, foi a primeira experiência tocando bateria eletrônica. Ficou mais propositivo, eu acho, pelo fato da gente ter que lidar com as limitações.

Lindie: Quais diferenças você destaca entre Dizperto e os seus lançamentos anteriores, como o Ascensão & Queda?

Fernando: Olha, o Ascensão & Queda foi meio que sobra de material que eu tinha pra banda. Então, eu gosto muito das músicas que estão lá, mas elas não foram concebidas para serem mostradas em um álbum. Eu me vi assim, “olha, eu tô sem banda, eu tenho muita música, eu preciso tentar me posicionar como artista”, não queria interromper minha carreira artística.  Tem minha cara ali, se eu for comparar com as coisas da banda, é um pouco diferente, esteticamente, mas a composição em si, tinha sido pensada para a banda e já este álbum solo, não, ele foi sendo pensado com bastante calma ao longo dos anos. Então, à medida que eu ia compondo, como eu sabia que não ia precisar do aval de alguém da banda. Muitas vezes eu não ia só compondo a canção ali, a melodia e harmonia, mas às vezes já pensando ali no próprio violão, fazendo uma linha de baixo. Eu fui concebendo, fui construindo ali tijolinho em cima de tijolinho, já sabendo mais ou menos as músicas que tinham a ver, pra entrar no álbum, foi uma coisa feita sem pressa, né? Eu esperei eu atingir um número de canções ali que eu achava que valia gravar e fariam sentido juntas, né? Esse álbum foi uma coisa concebida pensado em todos os aspectos, tantas as músicas que eu ia escolher, quanto os instrumentos que eu ia tocar, quanto ao aprender as músicas

Lindie: Como você define esse álbum?

Fernando: Acredito que ele seja um álbum de canções pop. Estendendo a explicação, as pessoas encontrarão influências de muita coisa, principalmente de rock, MPB, folk. Acho que essas são as três influências mais fortes, mas vai achar uma coisinha ali de bossa nova, tem uma parte em algumas músicas que a bateria eletrônica fica bem clara.  Então, tem influência de muita coisa, mas eu sou cancioneiro, o que vale, eu acho que apesar de eu pensar na inovação estética também. Acho que o grande lance do cancioneiro é a autenticidade dele no que  tem pra falar. Então, é um disco de canções com verso, com refrão para as pessoas cantarem. Essas canções possuem a intenção de serem populares, de fácil acesso, sempre me fascina quando as coisas são propositivas, quando elas tem inovação, mas elas também são acessíveis, por exemplo, eu adoro jazz, mas jazz você tem que tá na na vibe de escutar jazz, é mais sofisticado, você tem que prestar atenção. E aí eu acho interessante dar um filtro, tem algumas influências de jazz ali no álbum, mas no final das contas é uma canção ali com o verso refrão, etc. 

Lindie: Qual a faixa que mais define o álbum?

Fernando: Olha, tem a quarta música do álbum que é Cigana. Ela é uma música que eu acho que tem quase tudo nela, porque você vai achar a influência do rock, mas ela não é uma música rock, ela é uma música que passa muito ali pelas influências de coisas brasileiras que eu tenho. Então, ela tem uma percussão, é a música com um trechinho que a gente flerta com a Bossa Nova, e a bateria é gravada como bateria eletrônica. Essa canção é uma das duas músicas que foram feitas em parceria. Das 14 músicas do álbum, 12 eu compus sozinho e duas foram compostas em parceria, Cigana é uma delas. Além disso, tem a temática também, se for observar o que que a letra tá falando, acho que dá uma sintetizada boa - no tema do álbum. 

Lindie: Qual sua expectativa com esse lançamento?

Fernando: A minha expectativa é que as pessoas escutem, né? (risos) Eu acho que todo artista tem essa expectativa, é claro que eu fiz o álbum pensando no resultado que eu gosto, mas a gente quer que as pessoas também gostem. Acho que a sensação de lançar o álbum é de jogar um filho pro mundo, então, eu tive que cuidar muito dele. Espero que as músicas façam sentido para as pessoas, que elas escutem nos momentos que faça sentido escutar. 

Ouça Dizperto:

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