Um dos grandes nomes do rock sul-americano, a banda argentina El Mató a Un Policía Motorizado completa 20 anos de existência em 2023 e vive um momento especial. O grupo acaba de lançar seu brilhante novo disco, chamado Súper Terror, e está agora em turnê, sendo atração confirmada no Primavera Sound São Paulo e também nas edições do festival realizadas em Buenos Aires e Bogotá.
Além de estar expandindo seu reconhecimento a nível mundial, a El Mató chega com um novo álbum que, de forma cativante, expande as possibilidades sonoras da banda, ainda que se mantenha fiel à identidade construída até aqui. O trabalho desenha um quadro apocalíptico, recuperando referências do passado para tatear um futuro angustiante, atravessado pelo pessimismo.
Em entrevista concedida ao Lindie, o vocalista, baixista e compositor Santiago Motorizado fala sobre o momento atual da El Mató, os caminhos criativos do novo álbum e a relação intensa e singular da banda com o Brasil. Confira as histórias marcantes que o Santiago dividiu com a gente:
Entrevista — El Mató a Un Policía Motorizado
*Entrevista feita em espanhol e traduzida para o português
Lindie: Olá, Santiago! Como vai? Você e seus companheiros acabam de lançar seu mais novo disco, Súper Terror, e estão em um momento muito agitado da carreira, com a conquista do Grammy Latino, presença confirmada em várias edições do Primavera Sound e outras datas internacionais. Como estão se sentindo? Como está sendo viver tudo isso ao mesmo tempo?
Santiago Motorizado: Eu fico muito feliz, muito contente. Tudo o que aconteceu com o disco… É muito gratificante, depois de tanto trabalho. A sensação, primeiro, é de trabalho terminado. De lançar um álbum novo, de encerrar esse ciclo que foi muito prazeroso. E, depois, um pequeno vazio. Depois de tanto tempo de trabalho tão intenso, do ano de 2022, que foi muito intenso pelas turnês que fizemos por tantos lugares.
Mas, também, ao mesmo tempo, esse vazio do trabalho terminado se contrapõe a todas essas evoluções positivas proporcionadas pelo álbum, que foi muito bem recebido. E o que mais me interessa nessas evoluções é que elas causaram surpresa, porque queríamos buscar uma sonoridade nova, trabalhamos para isso.
Mas, às vezes, ao se olhar as canções por dentro, perde-se essa perspectiva. Porém, ao ver que isso se confirma, que causa surpresa — neste caso, surpresas positivas —, que sacode um pouco o repertório, que amplia o universo sonoro da banda, tudo isso é o que mais me deixa contente, porque um dos objetivos era esse, e gosto que ele seja notado.
Lindie: E, em um momento de conquistas e experiências positivas, vem o novo álbum, que é, ao mesmo tempo, obscuro e luminoso, que está entre o que é Súper e o que é Terror. O que motivou você, junto a seus companheiros, a definir essas dualidades como eixo temático, como percurso?
Santiago Motorizado: A verdade é que, em certo ponto, essa dualidade… O disco está atravessado, um pouco, por essa dualidade, de diferentes maneiras. Nesse álbum, existe algo muito luminoso no aspecto rítmico, em como construímos algumas canções em termos de produção, que têm uma coisa de baterias programadas e, na verdade, não são programadas. São baterias reais trabalhadas de tal maneira que carreguem essa sonoridade, essa marca, que reforça ainda mais essa ideia de dualidade entre o luminoso e o escuro.
São coisas que vão nos levando. Não é algo que planejamos entre todos. Há algo no pulso, que nasce dentro de nós, e que nos leva a esses lugares. E, sobretudo, quando escrevo, isso, sim, é algo que acabo definindo sozinho. Ainda assim, sempre que escrevo tento representar todos. Quando escrevo para a El Mató, sinto que são temas ou palavras que representam todos.
Aí, sim, existe a dualidade entre narrar algo que termina, mas também narrar isso que começa. Essa luz ao fim do caminho. Tudo isso é um jogo que esteve atravessado pela pandemia. A pandemia teve muito disso, não é? De incerteza, escuridão, melancolia, reflexão. E, depois, quando os espaços começaram a abrir: essa outra cara da angústia. E a verdade é que é um disco escrito nesse período pontual em que foi desenvolvido, diferentemente de outros álbuns nossos que continham canções de épocas distintas. A narrativa do Súper Terror realmente marca um momento muito pontual.
Lindie: E, sobre isso, você disse, em uma entrevista recente, que as letras de Súper Terror foram feitas nesse espaço curto de tempo, a partir de 2022. Em outro momento, comentou que o plano era gravar o novo disco da El Mató em 2020, e que esse plano foi adiado pela pandemia. Então, existe um outro disco que foi gravado e não lançado?
Santiago Motorizado: Não, as canções… Eu fui acumulando muitas canções durante esses anos. Ideias muito básicas de harmonia e melodia, sem letra. Esse é um exercício que faço frequentemente, de ter ideias melódicas e registrá-las, gravá-las no meu celular. E, em 2020, decidimos encarar essas músicas, começar a dar forma a elas, mas sem a parte lírica. Isso se postergou, esse plano nunca se iniciou, porque a pandemia impediu tudo, não podíamos sair de nossas casas, não podíamos começar a desenvolver todos juntos.
E, depois, em 2021, surgiu o projeto de Okupas, uma série muito importante na Argentina que nos propôs fazer a trilha sonora. Então, chegamos a 2022 com esse plano que se postergava. Com o tempo, fui agregando mais a essas músicas acumuladas, esses rascunhos melódicos. Inclusive, Tantas Cosas Buenas nasce dentro do projeto Okupas. É uma canção que ficou de fora da trilha sonora.
E, por outro lado, há músicas como El Universo, que compus cem por cento no estúdio, no Sonic Ranch — a música, a letra e a melodia, tudo escrito nesses dias. Por isso, as letras ocupam esse período de tempo, porque não havia letras antes nessas ideias que eu tinha registradas. Eram apenas ideias melódicas. E todas as letras foram escritas em 2022.
Lindie: Você falou sobre a sonoridade do disco. Ele mostra uma clara intenção de ir além do que já foi explorado em trabalhos anteriores, ainda que se atendo a certas bases. Como foi se construindo a ideia de mesclar referências dos anos 80 e elementos mais pop? Como foi esse processo de ampliação do universo sonoro da El Mató?
Santiago Motorizado: Em um ponto, nasceu com Tantas Cosas Buenas. Essa música que eu elaborei para a trilha sonora de Okupas. Eu a compus e fiz a etapa de produção com Felipe “Pipe” Quintans. Fiz essa música para uma cena muito específica. Era uma cena na qual os protagonistas escapam de um momento muito tenso de violência, no conurbano da Cidade de Buenos Aires. Um transportador de cargas os resgata e os leva para a estrada durante a madrugada, e a canção está tocando no rádio.
Aqui, na Argentina, tem uma rádio muito popular que se chama Aspen. Ela tem um som muito único, que é um som muito dos anos oitenta. Então, eu, ilustrando essa cena, penso: “por que não estar escutando a Aspen?” — e componho uma canção estilo Aspen, que é Tantas Cosas Buenas. No final, o diretor não colocou essa música, escolheu outra. Essa foi descartada. Eu gostei muito de como o projeto estava ficando, mostrei-o para os caras da banda, eles gostaram também.
Obviamente, isso foi mudando depois, tomou outro sentido. Mas essa base rítmica vinha dessa ideia, e gostamos disso. Foi divertido trabalhar com isso, com essas baterias que são tocadas, realmente, mas que tem o espírito de bateria programada, colocar o sintetizador em um lugar de protagonismo. E assim fomos desenvolvendo outras canções, como El Número Mágico, Un Segundo Plan, com essa marca.
Acho que as outras são mais obscuras. Remetem, talvez, a uma década de oitenta mais dark, mais alternativa, talvez de The Jesus and Mary Chain, The Cure. Foi algo que nos motivou, que sacudiu um pouco o lugar a que estávamos acostumados musicalmente. Essas primeiras provas de que havíamos chegado a um bom lugar nos motivaram a aprofundar essa sonoridade.
Há uma referência à sonoridade dos anos oitenta, mas sempre tendo em vista o futuro, esse futuro onde, inevitavelmente, a música nova tem que resgatar coisas do passado para criar esse novo. Parece que a cultura rock-pop chega a um caminho que está se tornando mais estreito, porque já soma muitos anos de desenvolvimento, de experimentações. No entanto, sempre se consegue algo fresco neste mundo. E a ideia está posta aí, em buscar o novo.
Lindie: Algo como o retrofuturismo, talvez?
Santiago Motorizado: Exatamente!
Lindie: A segunda faixa do disco, Medalla de Oro, tem referências diretas à festa de comemoração da conquista da Copa do Mundo. Além disso, você celebrou a conquista em shows, até mesmo erguendo uma réplica da taça no palco, em certa ocasião. Como a vitória da seleção argentina impactou a sua vida e sua criação artística?
Santiago Motorizado: Impactou, é uma coisa que impacta tudo, que atravessa você com força. Não posso dizer que há uma referência direta, que, em algum momento, uma letra fale especificamente disso. Sim, com Medalla de Oro, fizemos referências. No videoclipe de Medalla de Oro, há referência ao Mundial, à forma de celebrar que aconteceu nesse verão — as pessoas escalando coisas —, mas tudo traz uma outra perspectiva, não é uma perspectiva óbvia que já conhecemos.
Neste caso, o vídeo mostra jovens escalando, porém, já não há comemoração. Então, talvez haja um anseio, talvez haja um vazio. Não sei. A interpretação que cada um queira. A canção não fala do Mundial, fala de outra coisa, do cotidiano, de uma relação que termina. E a Medalla de Oro é símbolo disso, esse prêmio que se recebe em um momento e, automaticamente, fica no passado, torna-se um objeto inerte colocado em uma vitrine. Existe algo aí que tem uma potência estranha, talvez melancólica, do dia depois do triunfo. Quis jogar metaforicamente com essa ideia.
Lindie: A faixa El Universo ganhou um bonito e poético clipe, dirigido e editado por você. Como surgiu a ideia para o vídeo e como foi a experiência de fazer esse trabalho?
Santiago Motorizado: Bem, a ideia do fogo, da destruição dos automóveis, isso é algo que atravessou toda a nossa história. Desde a primeira prévia do primeiro disco, o single Tormenta Roja, em que há umas motos que escapam de um fogo, de uma grande explosão.
Essa relação com o cinematográfico, a banda tem muito disso em sua estética. No próprio nome, quando batizamos a banda de El Mató a Un Policía Motorizado, foi uma referência direta a um filme [o filme de ficção científica R.O.T.O.R., de 1987, que ficou conhecido como uma cópia barata de O Exterminador do Futuro e RoboCop; no filme em questão, a frase original é “this old boy just killed a motorcycle cop”].
Além disso, todos os nossos álbuns terminam com músicas que têm a palavra “fogo”. Então jogamos com esses elementos e compomos a partir daí, buscando fazer algo simples e ao mesmo tempo potente. Isso ilustra um pouco a ideia da canção El Universo, que surge de uma ideia muito simples, com uma instrumentação também muito simples, de piano e voz.
Lindie: O ano de lançamento de Súper Terror é também o marco de 20 anos de atividade da El Mató. Pensando em todo esse tempo de estrada, como você enxerga o desenvolvimento e amadurecimento da banda?
Santiago Motorizado: Sinto que cada fase da banda gerou um pouco mais de expectativa, com cada novo projeto, cada novo álbum que anunciamos, em relação ao anterior. Foi tudo muito gradual nesse crescimento. Isso sempre foi muito bom para nós, no sentido de que estamos muito tranquilos com essa trajetória, com como tínhamos encarado nosso caminho independente.
E hoje, sim, vivemos um presente de muito trabalho no estúdio, de muitos shows, de muitas turnês pelo mundo, que nos dão experiência, nos dão uma segurança de certa forma, que nos preparam para o que está por vir. Neste caso, por exemplo: a experiência de lançar esse novo álbum e tudo o que ela gera, depois de tanto trabalho e depois de tantos anos, e que seja bem-recebido, que haja um retorno, isso nos enche de entusiasmo e de energia. Neste momento, em que se poderia supor termos perdido a energia depois de tantos anos, na verdade, não me sinto assim. Sinto que cada projeto que nos mantém ativos recarrega nossas baterias.
Lindie: Quanto mais a banda cresce em fama e público, mais surgem datas internacionais. Como é a experiência de tocar em outros países, principalmente em países que não falam castelhano (espanhol)?
Santiago Motorizado: Para mim, isso é espetacular. É muito especial, porque existe uma coisa que atravessa e vai além do idioma, não é? E existe um momento depois, no qual nosso público decifra e traduz o que dizemos. A primeira vez que saímos da Argentina em toda nossa história foi para tocar no Brasil. Muito incomum, não? O normal seria ir para o Uruguai, o Chile, mas fomos tocar em São Paulo.
Foi em 2007 e estávamos felizes da vida, felizes pela aventura, porém sem esperar nada, absolutamente nada, da situação. Quero dizer, esperávamos muitas coisas, mas não uma resposta, uma atenção do público, porque entendíamos que ninguém nos conhecia e que, acima de tudo, a barreira do idioma ia causar esse distanciamento. Chegamos a São Paulo para tocar em um lugar que acho que não existe mais, se chamava Inferno Club. Iam tocar três bandas brasileiras e a gente. E o cara que organizava o festival, Guilherme, nos disse: “vocês vão fechar o festival”.
Para nós, parecia um erro. Dissemos: “não, não, não, termine com uma banda brasileira, ninguém vai ficar para ver a gente”. Mas ele insistiu que fôssemos a última banda. Por isso, chegamos com um pouco de medo. Bem, não medo, mas com pouca expectativa, pensando que o público já ia estar indo embora. Chegamos ao palco, vimos que todo mundo tinha se juntado em frente ao palco com muito entusiasmo.
Nossas músicas estavam no MySpace. Era o lugar em que se podia ouvir nossas músicas online. E, bom, foi uma surpresa incrível. Nunca vou esquecer a recepção do público brasileiro nessa noite. E cantavam as músicas! É verdade que as letras daquela época eram menores. Eu acho que isso foi importante. Uma das faixas mais celebradas era Chica Rutera, que tem duas frases e mais nada: “Espero que vuelvas/ Chica rutera (Espero que você volte/ Garota da estrada)”.
Então era fácil assimilar isso, de entender e traduzir, e de se perder também no clima musical. Esse é um momento inesquecível para mim, muito potente, que criou uma relação muito forte com o público brasileiro. Uma relação que se expandiu através dos anos, e que não é comum com outras bandas argentinas, a gente sabe disso.
Temos muito orgulho desse laço que se criou. Houve um período em que não conseguimos voltar [ao Brasil] por algumas complicações e lamentamos isso. Mas conseguimos voltar faz pouco tempo, foi um reencontro muito especial. E estou feliz por poder voltar também este ano, isso para nós é incrível!
Lindie: E como está sua expectativa para reencontrar os fãs e dividir as inéditas do Súper Terror ao vivo?
Santiago Motorizado: Estamos preparando as músicas. É um novo desafio, um desafio duplo: buscar uma sonoridade nova e, depois, levá-la para o ao vivo, que é um outro trabalho. Mas estamos bem e felizes. Tem a motivação das novas canções, de sacudir um pouco o repertório, de atravessar esse novo caminho. Estou feliz e ansioso para que comece a turnê e essa próxima fase.
Lindie: Bem, Santi, para terminar, você quer responder a alguma pergunta que não fizemos?
Santiago Motorizado: Quero apenas cumprimentar os brasileiros, porque sempre nos trataram com muito carinho. Essa lembrança de nosso primeiro show fora da Argentina é inesquecível, é histórica. Você me perguntou sobre a experiência de tocar em países em que se fala outro idioma. A relação mais intensa é com o Brasil. E estou feliz de termos passado por muitas cidades brasileiras. Isso me deixa muito feliz.
Fomos várias vezes a Porto Alegre, a São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília, Belém, Mato Grosso e Goiás também… Não sei, não quero me esquecer de nenhuma, mas foi uma trajetória fascinante para nós. Há pouco tempo, fui com o meu projeto solo pela primeira vez, para tocar no Primavera Sound, e foi espetacular também. Estamos felizes por tudo isso e porque vamos retornar. Nos vemos em breve!