Em seu primeiro álbum solo, o guitarrista e compositor Gabriel de Souza Silva, mais conhecido como Gabriel Ventura, 33, desvela sua intimidade, aprofunda sua sensibilidade lírica e musical, e brinca com os opacos sentidos de seu discurso. O trabalho, lançado em 24 de março deste ano, chama-se Tarde, e é composto por 9 canções. Como o próprio músico pontua, em dado momento de sua entrevista ao LINDIE, o termo “solo” é problemático: “Eu acho que o ‘projeto solo’, esse nome é muito difícil, né. Nada foi feito sozinho. Jamais seria.”.
Fato é que, agora, o guitarrista se coloca de modo mais solitário à frente de seu trabalho, ainda que, na realização prática deste, permaneça em conjunto e estabelecendo amizades. Patrick Laplan, por exemplo, além de ter coproduzido o disco ao lado de Ventura, ocupa a posição de baterista deste projeto: “Fiz um grande amigo, que eu espero carregar para a vida.”, conta Ventura, referindo-se a Laplan. Já o baixo ficou a cargo do virtuoso e extremamente competente Felipe Duriez. E, assim, novamente em trio, como se compunha a Ventre, antiga banda de Ventura, é que acontece a performance, ao vivo, do álbum Tarde – que teve sua primeira realização frente ao público no dia 24 de abril, no evento de comemoração de 10 anos do selo Balaclava Records: o Balaclava Fest.
O álbum apresenta impressionante coesão estrutural, que mostra o cuidado e a meticulosidade tidos em sua feitura. Com perceptíveis influências sonoras e estéticas de Jeff Buckley, Los Hermanos, da nova-MPB, de modo geral, e de dissonantes caminhos experimentais de Marc Ribot, Ventura constrói livremente suas narrativas, desenvolvendo climas instáveis e profundos, que transitam melancolicamente por temas como a saudade, a perda e a busca do que se perdeu, num processo de aguda e meditativa autorreflexão.
Em entrevista ao LINDIE, Gabriel Ventura fala sobre seus primeiros contatos com a música, sua complexa relação com a guitarra, sobre afetos familiares, referências artísticas e, é claro, seu mais recente trabalho, o álbum Tarde, e suas diversas nuances, imagens e motivos.
Gabriel Ventura: os inícios, os caminhos e o presente
LINDIE: Seu pai é sambista, e foi um pilar da sua formação musical. Como foi seu processo de se tornar mais íntimo da música? E qual foi o papel do seu pai nele?
Gabriel Ventura: Nossa… começou, rapaz (risos). Meu pai é químico, de profissão, mas sempre tocou violão, cavaquinho e tudo mais. Meu tio, também, trabalhava num banco, mas era baterista. E meu pai ouvia muito samba, por isso a escolha dos instrumentos: cavaco, violão, bandolim. Aí essa coisa do samba sempre me pegou muito. Até hoje, talvez, seja a coisa que eu mais escuto. MPB, de uma maneira geral, não no termo genérico da MPB, mas a música popular brasileira mesmo, assim, sabe? Sempre escutei muito mais isso do que rock, para ser sincero, ou qualquer coisa. Acho que foi isso. Sempre vi meu pai tocar, meu tio também. Então a casa da minha avó – mãe dos dois – tinha bateria, tinha instrumentos e essas coisas. E, um dia, eu pedi: eu queria tocar bateria. Só que minha mãe viu que ia ser uma merda, muito barulho dentro de casa. Logo eu fui limado da batera, e aí meu pai me deu um violão. E aí foi-se embora. Me distanciei um pouco do samba nessa época, talvez. Adolescente, é normal, né, você quer ser rebelde, e acaba procurando o rock e umas coisas mais pesadas. Mas, fui crescendo, fui voltando para isso [o samba], deixando – não que eu não goste – mas fui deixando de visitar tanto, de ouvir tanto [rock].
LINDIE: Você seguiu esse caminho para o rock e, nele, começou a desenvolver seu relacionamento com a guitarra, que, hoje, podemos dizer que é seu principal instrumento de expressão musical. Como se desenvolveu o seu relacionamento com ela, e o que levou você a escolhê-la e, de certa forma, fixá-la como “o seu instrumento”?
Gabriel Ventura: Acho que essa coisa adolescente. A guitarra tem esse espírito, pelo menos em um primeiro contato, antes de você realmente se entender como músico, e entender que um instrumento não tem esse estigma, que você pode fazer quatrocentas coisas com o mesmo instrumento. Mas a guitarra tem essa coisa, tem a coisa do barulho. Então nessa época eu saí do violão e tentei buscar a guitarra porque era o que eu estava ouvindo mais, era o que eu queria fazer, eu queria aprender como é que mexia com aquilo. E fiquei muitos anos sem violão em casa. Quando eu me mudei para o Rio, eu nem trouxe violão. Na verdade, eu nem trouxe guitarra. Fiquei um tempo sem tocar, depois voltei e peguei só a guitarra de volta. Fui ter violão de volta em casa há uns cinco ou seis anos. E aí rola o reverso, você fica nessa. Hoje em dia, se parar para pensar, talvez eu toque e estude bem mais violão do que guitarra em si. Mas os dois instrumentos se complementam, é só estudar a linguagem.
LINDIE: Em uma publicação no instagram, você disse ter estado, recentemente, amargurado com a guitarra. Por quê?
Gabriel Ventura: Ah, não sei, cara. Eu acho que é um pouco disso também. 2018 foi um ano em que eu me vi meio de saco cheio do instrumento. E aí fui passando a estudar outras coisas. Na verdade, eu passei um tempo sem estudar nada, um pouquinho. E depois fui direto para o violão. A guitarra ficou meio que largada, mas não tenho um motivo muito profundo para isso, não. Eu acho que chega uma hora que cansa. Eu estava em uma época em que fiquei me questionando muito se era isso que eu queria fazer, se era isso que ia dar para a gente viver, esse tipo de coisa. E acabei – ela por ser um instrumento, também, que eu preciso plugar – acabei meio que… Ai, cara… Olhar para ela me machucava um pouco, com o passar do tempo. Porque, enfim, é uma coisa que você ama, e você se separa, aí começa a olhar muito para ela, começa a doer… Abandonei mesmo, um pouco. Tem algumas músicas do disco [Tarde] que talvez sejam sobre isso. Mas, é, acho que daqui a pouco vai acontecer de novo, talvez com o violão, e aí eu volte mais para a guitarra. É o questionamento, me questionar se é isso. É bom experimentar outras coisas, também. Tem o seu lado positivo e o seu lado negativo, sempre. Os dois lados da moeda.
LINDIE: Em que ponto da sua vida você percebeu que queria se dedicar profissionalmente à música? E o que fazia antes disso?
Gabriel Ventura: Desde pequeno, mesmo. Eu tinha essa certeza de que eu queria fazer isso. Cheguei até a prestar vestibular para psicologia, mas acabei vindo para o Rio para tentar fazer produção fonográfica mesmo, e tentar estudar mais música, trabalhar com música, não só como musicista, né, também em outros meios: entender mais de produção, entender mais de acústica. Claro que muito raso. É impossível alguém se especializar em tudo, mas só para ter uma noção. Então, desde moleque, entrei nessa. Tinha essa vontade… Continuo tendo (risos).
LINDIE: Perfeito! E quais são suas principais referências artísticas e de vida para a criação das suas músicas e letras?
Gabriel Ventura: Essa pergunta é complicada, porque é um apanhadão de coisa. É tudo que eu escutei minha vida toda até chegar aqui. Mas tenho meus compositores prediletos, tem as coisas que eu sempre volto para escutar. Nacional, com certeza seria o Gonzaguinha, que é um artista que eu sempre admirei muito. Acho um dos grandiosos compositores do Brasil… cantor, e intérprete, de tudo, assim. Sou realmente muito fã. Talvez ele, no aspecto compositor, seja o mais importante. Mas na coisa instrumentista, acho que, quando a gente começa o instrumento, tem aqueles pilares, que é quando bota a semente ali, e depois a gente vai trocando de roupa, né, vai se apaixonando mais por outros caras. Eu acho que, na guitarra, para mim, talvez tenha sido a primeira vez que escutei Jimi Hendrix. Foi uma coisa meio chocante, mesmo. Não pela coisa virtuosa, sabe, “ai, meu deus, toca muito”. Foi mais a expansão do que se poderia fazer com aquele instrumento. Ele realmente abriu minha cabeça, de camadas, de texturas, de caminhos de PAN, de guitarras que podem andar, de que guitarras que podem vir baixas, ficar altas e voltar a ficar baixas. De gravar um monte de guitarra, uma em cima da outra, cada uma fazendo um detalhezinho. Então acho que, até hoje, ninguém consegue reproduzir a pintura que esse cara faz com guitarra. Você escuta os discos, até hoje, é uma coisa fantástica. Tem coisinhas que você fica um tempo sem escutar, você escuta e fala: “caramba, nunca tinha percebido essa parada, tem uma guitarrinha aqui, ela faz assim”. Então, ele expandiu, e não só na guitarra, como produção, como entender o que dá para ser feito numa canção. Posso botar ele. Mas acho que hoje, talvez, o cara que eu mais escuto e estudo há um tempo, posso dizer: Marc Ribot. É um cara que eu escuto muito, muito, muito. Blake Mills também é outro cara que escutei muito para estudar. Esses dois eu estava ouvindo muito na época de gravar e fazer o Tarde.
LINDIE: Então, chegamos ao disco, vamos falar sobre ele. Uma foto do seu avô se tornou capa do álbum Tarde, seu primeiro trabalho solo. Você justificou, em um post no instagram, que o principal motivo para o título do álbum ser Tarde, é que seu avô “adorava essa hora do dia”, e que, nas suas lembranças dele, “sempre está entardecendo”. Fale sobre as suas tardes com o seu avô e sobre o que motivou você a escolher esses momentos e essa figura familiar para constituir os conceitos do álbum.
Gabriel Ventura: Eu não diria que ele constituiu os conceitos do álbum, mas a importância de ter o meu avô na capa, além de ser uma figura masculina muito importante na minha vida, na minha criação e tudo mais, é também uma busca de… Não sei, pode soar bobo, assim, mas a cada passo novo que a gente dá na vida, acho que a gente, consciente ou inconscientemente, tenta se cercar de coisas queridas, sabe? Então, acho que trazer o meu avô – que é uma pessoa que me traz tanto amor, que me traz tanto sentimento bom – colocar ele na capa foi trazer comigo uma proteção, um escudo. É isso, trazer uma coisa boa que me deixasse confortável num momento que é difícil para caramba. Cada disco lançado é muito bruto. Se expor dessa maneira é complicado, então o meu avô é alguém que me deu a mão ali. Eu queria alguém para ficar de mão dada (risos). É um cara que sempre me trouxe muita segurança, me trouxe muito amor, então eu queria que ele estivesse comigo. Dei-lhe logo na capa (risos).
LINDIE: Que bonito! E, após integrar tantas bandas e colaborar com tantos músicos em sua carreira – em projetos como a Ventre, Posada e o Clã, Duda Brack, Lenine, entre outros –, quais motivos levaram você a se empenhar, nesses anos recentes, para dar início à sua carreira solo? E quais diferenças, positivas e negativas, você já pôde sentir entre ter uma banda e um projeto solo?
Gabriel Ventura: Eu acho que o “projeto solo”, esse nome é muito difícil, né. Nada foi feito sozinho. Jamais seria. É só porque alguém tem que botar a cara. Nesse momento, fui sozinho mesmo. Mas, para mim, é a continuidade de um sonho, de um trabalho, de um ofício que eu escolhi para fazer na vida. Então continuo, vou continuar gravando e tocando com quem quiser, e fazendo tudo isso. Só que eu tenho um lado compositor e preciso caminhar com ele também. Claro que tem a coisa “pô, se eu pudesse pagar as minhas contas só com isso”, sabe, só com as minhas composições, ia ser maravilhoso, mas nem sei se isso é o meu ideal, porque essa troca é importante. Sozinho é chato para caramba. Então foi só um momento em que as bandas foram acabando, aí eu falei “poxa, já era”, quero botar essas paradas para a frente. Então, se não tem tu vai tu mesmo, né (risos). E aí, foi. Acho que é isso, não tem nenhuma inspiração secreta em dominar o mundo sozinho, não. Foi mais uma coisa de “ah, cara, vamos fazer isso aí para essas músicas não ficarem guardadas”. E depois vamos deixando a vida ver o que acontece. E sobre as diferenças: é, tem o lado bom e o lado ruim, e talvez seja a mesma frase. O lado bom é que, de certa forma, as decisões são tomadas de uma maneira um pouco mais individual. Não todas, ainda mais numa produção de disco. Eu produzi com o Patrick [Laplan], então essa individualidade foi compartilhada, eu e ele, a gente decidiu tudo junto. Mas fica mais solitário, mesmo. E o lado ruim é que fica mais solitário. A música é feita para ser dividida, então às vezes você cansa das suas próprias ideias, essa troca é muito boa também. Então está sendo bom experimentar esse outro lado, mas não sei se… Sei, sei, sim: não deixaria de colaborar com outras pessoas para ficar fazendo só as minhas [músicas], não. Acho até importante, como músico, eu ter o privilégio e a oportunidade de tocar fora do meu quarto, fora do espelho. Acho bom para caramba. Aprendo como pessoa, como músico. É maravilhoso. Então acho que – sintetizando – só estou andando para a frente. Graças a deus não fiquei parado, consegui continuar caminhando, devagarzinho.
LINDIE: Como foi compor e coproduzir as músicas do álbum Tarde? E como foi colaborar, nesse processo, com o notório produtor e multi-instrumentista Patrick Laplan (que já integrou grupos expressivos na música, como Los Hermanos e Biquini Cavadão)?
Gabriel Ventura: Ah, foi maravilhoso, cara. Foi maravilhoso, mesmo. Fiz um grande amigo, que eu espero carregar para a vida. E eu já tinha trabalhado com o Patrick algumas vezes, antes, mas a gente não era muito amigo. Acho que a nossa amizade se criou na feitura do disco. Mas eu já tinha gravado umas coisas com ele, já tinha gravado acho que uma música para o Castello Branco, há muitos anos, para o primeiro disco dele. Aí depois eu fui gravar uma música – eu não lembro a ordem cronológica correta, eu só sei que o Castello Branco foi o primeiro, os outros eu vou embaralhar – mas eu lembro que depois teve El Efecto, que ele também estava produzindo e eu fui gravar uma música – maior banda desse Brasil, um beijo, nossa senhora! Aí depois, ou antes, eu fui chamado para gravar uma música do João Capdeville, que ele também estava produzindo. E aí, acho que foi isso. Eu gravei uma coisa para o 2BUNK também, que é uma outra outra banda que ele tem, mas acho que isso foi durante a feitura do disco. Então a gente já tinha tido esses contatos, mas de ir lá, se conhecer, trocar ideia. E, enfim, a vida segue, né. Fui compondo as músicas e tal, já tinha algumas, já estava brotando essa ideia de, num futuro sem prazo, sem nada, fazer alguma coisa com elas. E, cara, eu lembro que ele me ligou um dia, meio que “pô, cara, vamos fazer um som”. Um dia, assim, sem proposta de nada. Só fazer um som. Eu falei “pô, maneiro, vamos”. Aí fui lá na casa dele, a gente ficou fazendo um som, aí eu acho que bateu, assim, eu e ele. Voltei para casa já falando “pô, acho que achei o lugar, acho que achei como fazer isso”. E aí troquei essa ideia com ele, ele topou, graças a Deus. Obrigado, Patrick! E demos início ao trabalho. As músicas, se eu não me engano, já estavam todas feitas. Claro que eu tenho uma coisa com letra – e acho que todo mundo tem – que é: constantemente reescrevendo. Então, até os 45 do segundo… Nossa Senhora… eu estava reescrevendo letra. Mas as canções já existiam. Não, eu acho que Vontade foi uma música que eu fiz fazendo o disco, mas só. As outras eu tenho certeza de que já estavam… Eu já tinha as prés gravadas, já tinha as ideias, já tinha o que apresentar. E eu queria ter esse volume de músicas antes de começar qualquer coisa com ele. Então, acho que é isso. Fim da história (risos).
LINDIE: Quais são as intenções, buscas e inquietações motivadoras deste álbum, tanto no plano lírico como no plano instrumental?
Gabriel Ventura: É… Nada ambicioso. Eu acho que a coisa da composição, para mim, pelo menos, quando eu penso… Quando eu estou produzindo o trabalho de alguém, estou agindo como produtor, ou quando estou agindo como musicista, eu tenho um briefing de onde a pessoa quer chegar. Eu entendo isso. E você pode pensar numa coisa em função do outro. E, talvez, em alguns casos, até mais mercadológica, sendo mais pontual. Normal, tudo certo, é o trabalho. Mas, pelo menos quando eu vou compor as minhas músicas, eu me dou a liberdade de não pensar nisso. Então é mais uma trocação de ideia, assim: eu comigo mesmo. É isso: uma trocação de ideia. Mas talvez a preocupação que eu tenha sempre – e isso não é só nesse disco, acho que na Ventre também – é nunca acabar mal (risos). Pelo menos eu acho. É claro que a interpretação das músicas, depois que saem, toma diversos caminhos, graças a Deus, e não temos controle sobre isso. Mas a intenção inicial é nunca acabar mal. É sempre que se conte uma história boa ou ruim, mas que ela acabe bem, acabe para cima, acabe passando alguma coisa positiva, que o ato de compor é para mim. Se é bom para mim, eu não quero causar o oposto em quem está ouvindo. Então acho que a única intenção que eu tenho é essa: que alguém escute, chegue até o fim da música e fale assim: “pô, legal”. Seja legal o texto, seja legal o instrumental, sejam os dois, sabe, qualquer coisa. Nesse álbum específico, falando do instrumental: eu acho que foi um álbum em que pensei em usar o instrumental de uma maneira meio literária, meio teatral. Que o instrumental acompanhasse, e desse espaço, e intensificasse o que está sendo dito. Essa foi uma grande preocupação. Isso desde a Ventre já tinha um pouco, mas acho que menos. As músicas não têm muita forma. Não tem muito “verso, refrão, especial, verso, solo”, sabe? Não tem. Eu vou fazendo parte a, b, c, d, e, f, g, h, e vou embora, até eu sentir que a história que eu queria contar está aqui: contei. Consegui começar, consegui terminar. Agora, como eu fui do início até o fim: é só caminho. Não fico pensando muito em fórmula, não. Então o instrumental, para mim, foi isso: intensificar o que eu estava querendo passar na letra e como sensação. E, talvez, na coisa mais guitarrística, se eu tivesse que ser um pouco mais específico: eu tentei não fazer solos de guitarra. Isso realmente tentei. Era uma vontade que eu tinha. Não quero tomar essa parada para mim nesse disco, não. Claro que tem os temas melódicos de guitarra que podem ser entendidos como solo, obviamente. Mas a intenção não foi ser um solo, foi mais “cara, aqui precisava de uma melodia meio assim”. Mas a maior preocupação guitarrística foi essa, com certeza: de não ligar o ventilador na minha cara, ir para a frente do palco e “uaaaaaaau”. Não, jamais (risos).
LINDIE: Assuntos recorrentes no álbum são a saudade, o sentimento de perda e a busca do que ou de quem se perdeu. Que episódios e relações da sua vida impulsionaram tanto seu processo criativo para esse sentido temático?
Gabriel Ventura: Nenhum episódio específico. Acho que é estar vivo, mesmo. A gente está constantemente perdendo coisas, querendo coisas, alcançando coisas, e achando que podia ser melhor em tudo. Então acho que o disco é isso, basicamente. E tem a coisa da interpretação das músicas, também, que é maravilhosa. Foi interessante brincar com isso um pouquinho, nessas letras. Tem várias músicas que eu sabia que, para mim, teriam um significado que não ia ser tão explícito para quem estivesse ouvindo. E brincar com isso no desenho do texto foi divertido. Essa coisa meio “sei que estou falando de uma coisa, mas eu acho que provavelmente você vai entender outra”. Se eu tivesse que citar um exemplo, é Privação. Privação tem muito uma coisa que parece um relacionamento: “proibi a mim e a todo mundo de falar seu nome”. Nossa, o cara tá sofrendo muito por alguém. Mas, na verdade, é o ranço da guitarra. Eu estou falando da coisa da música. Foi um momento que eu fiquei tão mal que eu não queria olhar para a guitarra, não queria que ninguém me lembrasse que eu tocava guitarra. Então o “nome” não é uma pessoa, é um instrumento, que eu amo tanto, e pelo qual sofri tanto quando fiquei afastado. Tem até aquele refrão: “mas lembro de tocar cordas de renda”. Aí eu dou, talvez, uma pista do que realmente estou falando. Mas essa música toda é privação do instrumento. Não do instrumento em si, mas privação da música, dessa sensação que me faz tão bem, de estudar, e dessa troca com o instrumento em si. Então essa é uma música em que eu estou falando de uma coisa, e sinto que ela não vai ser entendida assim. Mas foi interessante brincar com isso, dar essa coisa dúbia.
LINDIE: Você acabou de lançar seu primeiro álbum solo. Os eventos musicais estão sendo retomados. Quais são os seus planos a partir de agora?
Gabriel Ventura: É fazer o próximo. Acho que é isso (risos). Lançar esse disco me deu muita vontade de fazer outro. E o que vier dele vai ser maravilhoso. Claro que eu estou trabalhando e me esforçando muito para fazer o disco rodar o máximo possível, poder tocar o disco ao vivo. Porque, a gente faz música e esse é um dos motivos, também: poder executar e se divertir com isso, e ver a reação pessoalmente, como é que acontece, como é que isso está batendo para as pessoas. Então estou trabalhando para isso, vou seguir trabalhando muito para chegar no máximo de pessoas e tudo mais, mas sem o lado glamour, e sucesso, e Ferrari, e mansão. Não, nada disso, não. É mais seguir fazendo. E quero trabalhar muito para conseguir pagar minhas contas com isso. Ser feliz, viver uma vida. Mas é isso: daqui a pouco começar a fazer o outro. E continuar tocando com mais outras pessoas, e seguir trabalhando.
LINDIE: Chegamos à última pergunta: você gostaria de falar de mais alguma coisa sobre o disco e/ou o momento atual da sua carreira?
Gabriel Ventura: É… É complicado, porque, realmente, o objetivo do trabalho de um disco – pelo menos para mim, nesse, que não tenho nenhum objetivo de sucesso e tudo mais – eu fico muito contente em quanto mais pessoas ouvirem, e vierem falar, e trocar essa ideia. Isso, para mim, é o maior objetivo que eu posso ter com esse trabalho. Quanto mais gente escutar, e gostar ou não, porque é impossível alguém lançar um disco que todo mundo goste, que todo mundo ache maneiro, então é normal não gostar, mas eu fico muito contente de ele conseguir caminhar, e de isso conseguir me ajudar a realizar outras coisas, e homenagear esse disco enquanto ele é o vigente, e, quando ele não for mais, conseguir prestar esse trabalho. É uma homenagem, mesmo, a um trabalho que foi realizado e que eu gosto muito. Então, é meu objetivo. Espero muito que ele vá para frente, que muitas pessoas escutem, o máximo possível. E é isso. Leiam as letras, escutem a parada. E que isso sirva para alguma coisa para elas, porque a gente faz para isso também, né.