A banda argentina El Mató a Un Policía Motorizado, original da cidade de La Plata, é, há anos, admirável expoente da música alternativa sul-americana. O quinteto, formado por Santiago “Motorizado” Barrionuevo (baixo e voz), Guillermo Ruiz Díaz “Doctora Muerte” (bateria), Agustín “Chatrán Chatrán” Spassoff (teclados), Manuel Sánchez Viamonte “Pantro Putö” (guitarra) e Gustavo Monsalvo “Niño Elefante” (guitarra), conta com uma discografia cativante que desafia rótulos e fronteiras criativas, passando pelos gêneros indie-rock, pop-rock, synth-pop, shoegaze e pós-punk, entre muitos outros.
Após vencer o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock de 2022, com o LP Unas Vacaciones Raras, e ter sua presença anunciada em edições do Primavera Sound 2023, o grupo lança agora seu mais novo álbum, intitulado Súper Terror. O trabalho, gravado e mixado no Sonic Ranch Studios, nos Estados Unidos, pelo vencedor do Grammy Eduardo Bergallo, desenvolve uma poética, heterogênea e ainda assim artisticamente coesa reflexão pós-pandêmica, que deixa clara a intenção da banda de ir além dos terrenos musicais já explorados e seguir experimentando.
Súper Terror vem depois de álbuns icônicos, como La Dinastía Scorpio (2013) e o aclamado La Sintesis O’Konor (2017), que rendeu fama internacional à banda e turnês pelos EUA, América do Sul e Europa. E, com antecessores de peso, o novo capítulo discográfico da El Mató evidencia a personalidade de seus integrantes ao não se construir como continuidade óbvia — muito pelo contrário. A obra oferece envolventes e sensíveis canções que meditam de forma melancólica e pessimista sobre os próximos passos da humanidade, enquanto combinam sonoridades afetivas e reconfortantes dos anos 1980 a diversas texturas do rock contemporâneo.
Súper Terror se estabelece entre futuro niilista, recortes de esperança e passado acolhedor
Antes de o álbum completo vir ao mundo com suas dez faixas, foram lançadas, em formato de single, quatro prévias: Tantas Cosas Buenas, Medalla de Oro, Diamante Roto e El Universo.
Em seguida, essas canções foram compiladas em um EP que recebeu o nome do último single lançado: El Universo.
Agora, enfim, é possível desfrutar do percurso integral de Súper Terror. O disco começa com a música Un Segundo Plan e, de cara, introduz a atmosfera de desilusão trazida pela forte poesia de Santiago, embalada por guitarras de timbre vintage e batidas industriais oitentistas, ao modo de grupos como Depeche Mode, Tears For Fears e New Order. O discurso da faixa oscila entre a descrença em uma felicidade futura, a lembrança de um passo dourado e o persistente desejo de elaborar esse segundo plano para encontrar uma saída.
Assim, instaura-se o clima retrofuturista que percorre todo o álbum, de baladas apocalípticas que, misturando new wave e indie-rock, ora se deixam levar pelo aterrorizante abismo que a humanidade cava para si mesma, ora ensaiam lampejos de superação.
E, se Segundo Plan fala sobre “ver os dias de ouro passar”, a canção seguinte, Medalla de Oro, reflete, entre agradáveis guitarras psicodélicas e baixo marcante, sobre o vazio incerto da sociedade frente ao capitalismo tardio: “Nunca vou ser milionário, milionário/ Entendo que você não aceite/ Que tudo o que vem é pior”. Ainda assim, a música busca romper o círculo vicioso das angústias ao evocar uma “luz que arrasa tudo”, que, por sua estrutura e repetição, remete à “luz que nunca se apaga”, cantada pelos Smiths, também nos anos 1980, tão caros ao momento atual da El Mató.
Medalla de Oro também faz claras referências à conquista da Copa do Mundo pela seleção argentina de futebol em 2022, tanto na capa do single, que mostra duas pessoas em cima de um poste durante a comemoração do título, quanto no clipe, que exibe diferentes pessoas escalando lugares da cidade, subindo, resistindo. As menções são extremamente significativas, visto que o título trouxe orgulho e esperança ao povo argentino em tempos difíceis de desvalorização da moeda nacional e agravamento de desigualdades sociais.
Em seguida, o clima se torna dançante com Diamante Roto e Tantas Cosas Buenas. As músicas, no entanto, mantêm discursos duros e desenganados a respeito da condição humana, criando uma magnética oposição de sensações e significados. Essa tensão contraditória cresce para desaguar em El Universo, na qual a melancolia é desatada sem barreiras, colocando a voz doce de Santiago para dançar com um piano limpo e igualmente sensível.
Depois, vem Coronado, como nova tentativa de otimismo e um caminho sonoro mais próximo dos trabalhos anteriores do grupo. E, durante seu percurso, o álbum mostra o amadurecimento da El Mató em termos de estruturação de arranjos, com guitarras certeiras, teclados poderosos e um equilíbrio muito bem calculado para que a voz e as palavras de Santiago tenham protagonismo à altura de sua importância.
E, como é costume da banda mencionar o fogo ao fim de seus LPs, o retrofuturismo distópico de Súper Terror é encerrado com El Profeta de Fuego. Tecendo menções ao período de isolamento pandêmico e sugerindo a busca de um alguém perdido, o disco termina abraçando a melancolia que tanto o define, dizendo francamente: “não posso dizer para você que estou bem assim”. Desse modo, mais uma vez temos a batida alegre e sintetizadores que convidam a dançar em meio à história amarga e triste de um eu-lírico perdido, angustiado.
Súper Terror faz uma leitura ácida e sincera da condição humana atual, que recupera símbolos confortáveis do passado para encarar um futuro assustador, que dança através de suas melancolias, que desacredita de si e não se dá por vencida. Súper Terror é, de fato, aterrorizante, mas também é doce, bonito e reforça a autenticidade artística da poderosa El Mató a Un Policía Motorizado.
Tracklist
- Un Segundo Plan
- Medalla de Oro
- Diamante Roto
- Tantas Cosas Buenas
- El Universo
- Coronado
- Voy a Disparar al Aire
- Moderato
- El Número Mágico
- Profeta de Fuego
Ouça Súper Terror: