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Gabriel Ventura está sentado no chão com as pernas e mãos cruzadas. Ele olha para o lado esquerdo com o semblante preocupado. Está de camisa xadrez amarela e preta e tem os cabelos castanhos ondulados.

Publicado porFernando Vinícius

em 28/02/2022

O guitarrista, compositor e cantor carioca Gabriel Ventura já se fez conhecer em muitos meios da cena independente brasileira. A saudosa banda Ventre, trio composto por Ventura (voz e guitarra), Larissa Conforto (bateria e vozes de apoio) e Hugo Noguchi (baixo e vozes de apoio) teve trajetória curta – de 2013 a 2018 – porém de profundo impacto e relevância estético-musical. Além disso, o singular guitarrista integra outros projetos e acumula, em sua carreira, participações e colaborações com diversos artistas, entre os quais: Duda Brack, Cícero, Posada e o Clã e Lenine.

Após o encerramento das atividades da Ventre, Ventura continuou se aventurando no cenário musical, munido de sua guitarra ruidosa e de seu imenso e característico tapete de pedais. Mas, até agora, não havia se entregado, de corpo e voz, a um trabalho em que fosse apenas ele o protagonista, passo que seus ex-companheiros de Ventre já haviam dado: Larissa com seu projeto solo, intitulado ÀIYÉ, que teve início em 2019; e Hugo com seu primeiro álbum, que recebeu o nome Humaniora, lançado no segundo semestre de 2021.

Os admiradores do guitarrista sempre nutriram a expectativa de que, nesta fase pós-Ventre, ele seguisse também o caminho, que parece natural, de iniciar um projeto seu. E, finalmente, essa expectativa foi saciada. No dia 10 de fevereiro de 2022, por meio do selo Balaclava Records, Ventura lançou O Teste, single que abre seu primeiro trabalho solo: o álbum Tarde, com lançamento previsto para “março (se tudo der certo)”, conforme declarou o músico.

Ventura coproduziu Tarde ao lado do conceituado produtor Patrick Laplan, natural do Rio de Janeiro. As gravações se deram no estúdio de Laplan, que tocou todas as baterias, percussões e baixos das faixas, ao passo que coube a Ventura gravar guitarras, violões e vozes. Mixagem e masterização ficaram a cargo de Bruno Giorgi.

Por dentro da canção

O fato de O Teste ter sido a faixa escolhida para introduzir o álbum é extremamente significativo, assim como as categóricas primeiras linhas do discurso que se desenrola na música: “Quero testar a sorte/ Encarar a morte de tudo o que eu já fiz/ O fracasso não me amedronta”. Ventura estabelece, assim, a proposta de seu primeiro trabalho. Trata-se de uma experimentação. De um processo de autoinvestigação e autoanálise, que ocorre nos planos musical, sentimental e discursivo. O Teste comunica, portanto, que o álbum Tarde virá como percurso de ensaios e descobertas, e que a possibilidade de fracasso não é uma preocupação do guitarrista. Junto a isso, Ventura apresenta o início de seu projeto solo como um recomeço, um renascimento, pois diz sentir a necessidade de encarar a morte de tudo o que já fez. Assim sendo, este trabalho, e a faixa que o antecipa, compõem-se como marco inaugural de um novo ciclo na jornada artística do músico.

Na canção, a voz miúda – quase frágil – mas incisiva de Ventura atravessa riffs marcantes de guitarra acompanhados pelo baixo, climas de certa obscuridade que vacilam entre o suave e o intenso, linhas enérgicas de bateria, raspagens, texturas, cacos e retalhos sonoros. Muito se percebe da atmosfera musical que era desenvolvida pela Ventre nos timbres, efeitos, arranjos e no modo como Ventura exerce seu canto - algo que flui, em linhas gerais, pelo rock alternativo, rock experimental e nova-MPB. Semelhanças naturais, quando se considera que a extinta banda era o lugar no qual o guitarrista, por ser compositor e letrista de quase todas as faixas, imprimia mais livre e completamente sua criatividade e identidade musicais. Contudo, há, misturados às semelhanças, elementos que fogem ao que era apresentado na sonoridade da Ventre. São esses elementos ingredientes de maior teor experimental – justificados, ao se considerar o título da faixa –, como por exemplo toques de telefone, crepitações, inserções abruptas de sons sintetizados. Isso, somado a variações de ritmo, a recorrentes quebras e descontinuidades repentinas na dinâmica musical, que em movimento de vai-e-vem caminha entre um minimalismo instrumental e uma massa sonora cheia e potente.

No que se refere ao monólogo que o músico tece, este também parece ser similar aos realizados em sua ex-banda, e ao mesmo tempo mostra características distintas, por ser ainda mais íntimo, franco e delicado. Após a abertura (já comentada) da letra, o discurso segue, anunciando um derramamento catártico dos remorsos que o eu-lírico revela guardar consigo. As linhas vocais, acompanhadas pelas oscilações de intensidade instrumental, balançam entre momentos de felicidade expansiva e retraída preocupação: “[...] minha pele se estica num sorriso/ Vem o grito/ Tenho motivos pra cantar/ Mas, certo de que vou me arrepender, eu falo pouco/ Guardo palavras pelos cantos”.

Uma das tônicas da letra é o receio do julgamento, que pode até mesmo ser visto de modo contraditório junto à declaração inicial de que não há, por parte do eu-lírico, medo do fracasso. Entretanto, na segunda metade do discurso, Ventura decide tomar as rédeas de si e de sua arte, declarando ser seu próprio juiz. E, dessa forma, o guitarrista extravasa sua música, sua vontade de cantar e contar, em um movimento de libertação comunicativa e física, que ganha até aspectos de êxtase sexual: “Sonhei que desabava e ejaculava o que nos trava/ Me fiz palavra e quis sair”.

Em resumo, a faixa deixa claro que Gabriel Ventura, por mais que ainda possua seus receios e dúvidas, está enfim disposto a se desbravar. Está disposto a percorrer os sentidos de sua música, de seu universo interior, e dizer o que sente vontade de dizer. Em resumo: para felicidade da cena musical underground brasileira, Ventura mostra estar pronto para o teste.

Ouça O Teste:

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