Viver ligado a música sem reconhecer a existência da Lorde soa quase como irreal. A jovem artista virou a indústria de ponta cabeça em 2013, com o lançamento de Pure Heroine, seu álbum de estreia. As letras, composições e produções moldaram o estilo dos trabalhos dos anos seguintes e a cantora se tornou um símbolo do mercado musical. Quatro anos depois, ela repetiu o feito com Melodrama. Agora, em 2021, ela quer deixar isso para trás e se tornar, cada vez mais, a Ella Marija Lani Yelich-O'Connor, mesmo em sua carreira artística e sem abandonar seu nome de carreira.
Solar Power chega de forma disruptiva em meio a discografia de Lorde. Mais leve melodicamente, com o uso de guitarras, violão, flauta, percussão e, de surpresa, saxofone, e com a temática nada semelhante aos anteriores, a compositora tenta se desprender do papel de dependência de um estilo musical - ou forma de produção - para ir bem nos charts e, além disso, busca sair do lugar de grande importância que foi colocada pelos fãs, que esperam ansiosamente para saber o que ela pensa, faz ou dirá na próxima canção. A abertura do disco, com The Path, escancara isso quando as palavras “se você procura por um salvador, então não sou eu” ecoam, contrariando algumas frases comuns da fanbase, que esperam por ela. No entanto, ela dá uma alternativa para quem busca um caminho: o sol.
Lorde passou os últimos anos fora das redes sociais, sem acesso ao Youtube ou outras plataformas, e pôde potencializar seu autoconhecimento e a vivência como Ella. Também viajou à Antártida para conseguir apreciar o local antes das mudanças climáticas e garantiu: é mais legal do que VMA ou MET Gala. Natural de Auckland, Nova Zelândia, ela parece, ao menos, uma das únicas pessoas felizes em 2021. E, bem, é toda essa energia sintetizada que traduz o que é o Solar Power.
Tom confessional
Uma das semelhanças com os demais trabalhos é o tom confessional nas composições, característica marcante de Lorde. Em Solar Power, ela olha para seu passado, fala sobre a natureza, amores e sonhos. A faixa que carrega o nome do álbum é um culto à natureza e, mais uma vez, ao sol. Nela, a cantora cultua a natureza, a praia e afirma que jogou o celular no mar.
California, onde Lorde narra o momento em que Carole King anunciou sua vitória no Grammy, com "Royals" em 2014, segue o tom confessional, ligando-se com The Path. Nela, a compositora é grata por não estar mais na Califórnia, mas, na faixa seguinte, Stoned at the Nail Salon, ela confessa que tem medo de ter escolhido errado, apesar de amar a vida que tem em sua terra natal.
Fallen Fruit é uma das melhores faixas de Solar Power, com a tão elogiada escrita de Lorde, acordes precisos e a ponte, que lembra a complexidade e estilos de produção dos discos anteriores. Secrets From a Girl (Who’s Seen It All) também se conecta com os trabalhos antigos, mais especificamente com Ribs, do Pure Heroine, onde há o medo de envelhecer. Agora, a Lorde de 2021 encara a de 2013, quase como uma continuação.
Depois de dois easter eggs, somos levados a The Man With the Axe, a mais romântica de Solar Power. Em meio aos versos bem trabalhados, os acordes de violão se unem aos sussurros para compor as confissões do eu-lírico. Dominoes passa a sensação de ser curta demais, funcionando como uma rápida troca de clima até a próxima.
Big Star é um culto ao cachorro de Lorde, Pearl, que faleceu. Nos versos melancólicos, a cantora relembra da fase em que vivia no Melodrama, quando afirma "Eu costumava adorar a festa, agora não estou bem”. Já Leader of a New Regime, Lorde fala novamente sobre a natureza e sua degradação. Com um minuto e meio, é trabalhado mais como um interlúdio.
Apesar de estar em uma fase mais feliz, Lorde não deixou sua característica crítica de lado e, em Mood Ring, ironiza a chamada “positividade tóxica”. O single chegou com um clipe onde a cantora aparece em um SPA e fazendo rituais com pedras. Em entrevistas recentes, ela disse que a faixa é inspirada em “The Fear”, de Lily Allen.
Em Oceanic Feeling, Lorde consolida sua nova versão aos fãs, que a esse momento do álbum ainda deviam estar esperando por uma surpresa com uma sonoridade similar a dos anteriores. Afirmando que seu batom preto está guardado na gaveta acumulando poeira, a artista se torna, cada vez mais, segura de si e assume que não necessita mais desse acessório para se sentir forte.
Versatilidade
Aos 24 anos e novamente com a produção de Jack Antonoff, Lorde se desprende dos feitos passados e busca nova etapa da carreira: a que ela pode fazer o que quiser com sua arte. Solar Power, mesmo sem a aclamação dos discos anteriores, é um trabalho pronto e imersivo da artista, que passou os últimos anos refletindo, em contato com a natureza e sem querer saber o que acontecia no mundo exterior. O disco é, sem dúvida, o resultado do crescimento e amadurecimento de Ella.
Ouça Solar Power: