Aconteceu no dia 3 de fevereiro, uma sexta-feira quente. Abaixo do chão, além do mundo compreensível, em um buraco negro aberto no concreto de São Paulo, uma banda brilhou através da noite com toda sua potência.
Luare, que se mantém em trânsito entre banda e projeto solo de música. Assim, Luare se torna, incerta, uma entidade que se forma em quem a vive e realiza a cada momento. A Luare (banda) é composta por: Laura Macedo na voz e na guitarra-base, Samuel Xavier na guitarra principal, Lucía Rocío e Stanley Oliveira revezando o baixo e Gabriel Moura na bateria.
A banda abriu um “minifestival” com mais outras três bandas — o astronauta, Eletrönic Dark e Halleck — na casa Black Hole, localizada na Consolação. A casa, a um primeiro e desatento olhar, parece um simples estacionamento fechado, com grupos de jovens aparentemente chapados conversando em frente à entrada.
Mas, indo mais ao fundo de um lugar escuro e misterioso, o nome da casa se justifica. Uma estreita escada serve de portal para outra dimensão, que, se não fosse pela magia da música-por-vir e daquela noite, seria apenas um andar sem vida no subsolo de uma propriedade. Mas não. É um mundo à parte que se abre: estranho, com paredes pichadas, jogos de luzes psicodélicos e um minúsculo palco.
Ali, a abertura do evento foi feita pela Luare. O início da apresentação estava marcado para acontecer entre 19h30 e 20h. Mas, por inúmeras razões — desde o sumiço de cabos até integrantes que foram ao mercadinho mais próximo —, o show da banda começaria apenas às 21h30.
Pouco antes disso, porém, houve a passagem de som da banda. E, já nesse momento, a profunda química entre os integrantes da banda ficou clara, com um rock alternativo de riffs bem coordenados, baixo preciso e bateria potente. Todos se encantaram com esse pequeno convite da banda; muitos que ainda conversavam em frente à porta da casa desceram, curiosos. Após cativar a todos, a banda parou e a vocalista Luare (Laura Sousa) prontamente quebrou expectativas, aumentando ainda mais a ansiedade pelo show que viria, dizendo: "Isso não é o show, a gente só tá fazendo merda".
Então, depois de mais algum tempo de espera, o momento chegou. O momento em que a luz cósmica da Luare iluminou o buraco negro de São Paulo, exibindo ao público seu shoegaze intrincado e de caminhos experimentais. A voz delicada da vocalista pairava em meio a arranjos carregados, melódicos e viscerais. A atmosfera se completava com o guitarrista e tocador de pedais Samuel, que trazia diferentes dinâmicas às faixas, entre loops e delays, muitas vezes tocando agachado junto de seus pedais.
O baterista Gabriel Moura se mostrou preciso, conduzindo tempos e fazendo viradas com talento e energia. Lucía, que começou a apresentação no baixo, e Stanley, que depois assumiu o posto, também garantiram um ingrediente indispensável à receita da banda, dando notável protagonismo ao baixo em diversos momentos.
A curta setlist preparada pela banda se iniciou com a canção Se Eu Não Acordar, Eu Te Amo, seguida por Benzinho e Velhos Assuntos. E, a cada uma das músicas, mais o público era envolvido pela energia da Luare. Gritos de euforia, danças desajeitadas e pessoas se jogando no chão em frente ao palco. Tudo orbitava Luare e seu imenso poder. Tudo existia, naquele instante, em razão do sentimento e da verdade daquele som.
O grupo organizou a setlist de modo a construir um crescendo, perseguindo seu clímax, e encerrou a apresentação instaurando completo frenesi musical e místico, com solos ardidos, insanos, atravessados pela bateria frenética. Assim o show terminou, com as faixas Que Nossa Última Dança Valha por Todas Que Não Tivemos e Até Que a Gente Se Machuque, levando o público ao êxtase e os integrantes da banda ao chão, tomados por aquele transe musical do desfecho.
Assim, Luare entregou tudo de si e marcou a noite na casa Black Hole, com uma performance extraordinária, rara. A banda deixou evidente toda sua personalidade transbordante, que invadiu e cativou todo o público. Desse modo, em uma sexta-feira, a cena underground paulistana tornou possível algo único, um acontecimento em seu lisérgico e ardente universo subterrâneo.
Ouça Luare: