No dia 19 de novembro, um domingo, o clima de São Paulo mudou repentinamente para receber a 13ª edição do Balaclava Fest, um dos maiores eventos de música alternativa do Brasil. Depois de muitos dias de calor intenso, o que se viu foi uma tarde cinzenta, chuvosa e com temperatura mais baixa, adequada às colorações dos gêneros musicais do Balaclava Fest 2023, que passeou pelo shoegaze, indie-rock, acid, midwest emo, punk e outros.
O lugar escolhido para o evento, o Tokio Marine Hall (antigo Tom Brasil), proporcionou ambientes termicamente agradáveis, permitindo a entrada de garrafas d’água. A estrutura contou com fumódromo, sala de venda de merchandising, pequenas ativações de marcas e um cardápio variado para contemplar diferentes preferências dietéticas.
O festival, iniciativa do selo e distribuidora Balaclava Records para trazer ao Brasil artistas alternativos e independentes, possibilitou momentos inesquecíveis aos amantes do indie, emo e shoegaze. O Fest teve como destaques os shows do American Football e da potente Thus Love, contando também com outros artistas de peso, como Unknown Mortal Orchestra, Whitney e Hatchie.
Vem conferir em detalhes como foi o Balaclava Fest 2023!
terraplana + Shower Curtain — Balaclava Fest 2023
A pontualidade, aspecto que deixa a desejar em muitos festivais semelhantes de médio e grande porte, não foi um problema no Bala Fest. Às 15h40, os curitibanos da banda terraplana dividiram o palco Hall (o “palco B” do evento) com o grupo Shower Curtain, que começou como projeto pessoal da também curitibana Victoria Winter e, depois, tornou-se quarteto baseado em Nova York.
Como poucas vezes se vê em festivais, a casa já estava cheia, com um público animado e disposto a se deixar envolver pelo shoegaze e dream pop denso e distorcido das bandas. Com guitarras pesadas e vocais sutis, terraplana e Shower Curtain mostraram personalidade, tocando algumas de suas principais faixas, incluindo meus passos (2023), feita por ambos os grupos, em parceria.
Durante o encerramento, a apresentação contou até mesmo com bate-cabeça, conduzido pela languidez e introspecção que define a atmosfera sonora das bandas.
PVA — Balaclava Fest 2023
Em seguida, o trio PVA, do sul de Londres, tomou o palco Hall com seu acid e dance music, que mescla elementos orgânicos do indie-rock às texturas, beats e viagens sonoras da música eletrônica.
Criando um ambiente de sonoridade pós-punk hipnótica, a banda encontrou seu caminho para perto do público, gerando animação e fazendo muitas cabeças balançarem. A banda entregou uma ótima performance, tocando músicas de seu álbum de estreia, BLUSH (2022), e foi muito aplaudida.
Whitney — Balaclava Fest 2023
Pouco antes do fim do show da PVA, foi aberto o acesso ao palco Balaclava, principal palco do Fest. Veio, então, a banda Whitney, originária de Chicago, Estados Unidos. Com uma mudança na configuração canônica de instrumentos, a bateria foi colocada em destaque, para que o vocalista, baterista e frontman do grupo, Julien Ehrlich, ficasse em evidência.
Com sua voz aveludada e incrivelmente consistente, Julien ocupou o palco ao lado de Max Kakacek, seu companheiro de composições, e do restante da banda, que vinha com trompete, teclados, guitarra e baixo. Assim, Whitney desfilou com extrema habilidade seu indie-pop romântico com tons de blues e folk music, tocando faixas icônicas de sua discografia, como Dave’s Song, Valleys (My Love) e Giving Up.
Durante a apresentação, Julien interagiu de forma espontânea, dizendo ter gostado da carne brasileira. O público se mantinha empolgado, mas mostrou conhecer pouco o repertório da banda, aplaudindo, em certo momento, o suspense silencioso de uma música, pensando ser o final dela. Ainda assim, o saldo da segunda passagem do grupo por terras brasileiras se mostrou positivo: a plateia se mostrou alegre e agradou os músicos, que agradeceram pelo carinho.
Hatchie — Balaclava Fest 2023
A australiana Hatchie trouxe o público de volta ao palco Hall. Um tanto tímida ao cumprimentar a plateia, a cantora foi atrapalhada por uma forte microfonia, rapidamente superada. Junto à guitarrista Samira Winter, Hatchie tocou baixo e contou com reproduções eletrônicas das percussões de suas músicas. Na plateia, era possível ver Stephani Heuczuk, vocalista e baixista da terraplana, aproveitando o show.
Com voz angelical e precisa, um sorriso no rosto e demonstrando sua satisfação em se apresentar no Brasil, a australiana deixou clara a potência de sua mistura de shoegaze e dream pop, tocando faixas de seu LP mais recente, como Lights On e Quicksand. Durante o show, a cantora enfatizou o desejo de voltar ao Brasil para tocar com banda completa.
American Football — Balaclava Fest 2023
Embora não tenha sido escolhida para encerrar o Bala Fest, a icônica e histórica banda emo American Football era a grande atração da noite, fazendo sua estreia no Brasil. Desde sua acanhada entrada no palco, desde o primeiro riff da primeira música, o grupo causou intenso frenesi, levando o público à loucura.
A faixa escolhida para iniciar o show foi Stay Home, com seu longo e meditativo crescendo. Na sequência, a banda interagiu pouquíssimo com o público, emendando músicas com suas progressões oníricas de midwest emo, que, somadas aos jogos de luz obscuros e à fumaça, davam à apresentação um aspecto geral de sonho.
O show seguiu com grandes sucessos da trajetória do grupo, entre eles: Uncomfortably Numb, My Instincts Are the Enemy, Home Is Where the Haunt Is e, é claro, para fechar o encore, a clássica Never Meant.
No decorrer do show, a energia inicial do público foi dando lugar à contemplação. Pessoas choravam, maravilhadas com a voz e a guitarra de Mike Kinsella em diálogo com seus companheiros. Era perceptível o envolvimento de todos, acompanhando e se entregando à American Football do primeiro ao último minuto. A plateia contou inclusive com personalidades da música brasileira, como Lucas Silveira, da banda Fresno, que registrou, feliz, trechos de Never Meant com o celular.
Thus Love — Balaclava Fest 2023
A banda punk Thus Love provocou uma brusca quebra no tom geral do evento. O trio queer, vindo de Massachusetts, instaurou uma ambiência selvagem, enérgica e dinâmica, com intensas distorções de guitarra, solos, riffs velozes e bateria frenética.
Definitivamente, o grupo possui magnetismo suficiente para o palco Balaclava. Ainda assim, no palco menor, a Thus Love incendiou a plateia, provocando muitos gritos, danças e respingos de cerveja, tocando músicas de seu disco de estreia, Memorial (2022) e singles mais recentes. A jovem banda teve postura digna de megagrupos consagrados da música, com pose firme e cativante dos rockstars que são.
E, como todo grupo que preza por sua veia punk, agradeceram aos funcionários que fizeram o evento acontecer, além de agradecer à plateia.
Unknown Mortal Orchestra — Balaclava Fest 2023
O headliner do Balaclava Fest, Unknown Mortal Orchestra, trouxe um ambiente mais estático e calmo ao evento. Os lugares mais próximos ao palco Balaclava já não eram tão disputados, no entanto a casa permanecia com público considerável, que quase lotou o salão, incluindo artistas que haviam se apresentado mais cedo, como a guitarrista Samira Winter.
O grupo neozelandês iniciou sua apresentação de modo intimista e minimalista, com um solo delicado de sintetizador. Depois, o frontman da banda, Ruban Nielson, e seus demais integrantes preencheram o palco, entregando à plateia sua característica mistura de R&B, rock e psicodelia.
Já nas primeiras faixas a banda foi bem aplaudida, e era possível ver inúmeros movimentos sutis de cabeça e dancinhas contidas. Assim, em acordo com o ambiente sereno criado pela banda, o público não esboçou reações mais intensas e expansivas, nem mesmo quando Ruban desceu do palco e correu em volta salão enquanto tocava sua guitarra, ou quando o grupo tocou grandes sucessos, como Hunnybee, Multi-Love e So Good at Being in Trouble.
Dessa forma, em uma atmosfera tranquila, talvez em alguns momentos à beira da monotonia, a Unknown Mortal Orchestra conduziu sua apresentação tecnicamente impecável, sendo muito aplaudida e respeitada ao encerrar o Balaclava Fest 2023.
Plateia e festival
O público, bastante analisado e julgado por dita “postura indiferente” ao longo de todo o evento, em especial durante o show da UMO, talvez tenha sofrido ataques injustos.
Na primeira atração do dia, os amantes da música alternativa já compareciam em peso, enfrentando um dia frio e chuvoso, e abriam rodas de mosh durante os momentos finais de terraplana + Shower Curtain. Depois, lotaram o salão do palco Balaclava para se emocionar com o som marcadamente introspectivo da American Football.
Logo em seguida, a incrível Thus Love levou a plateia aos gritos, causando até desentendimentos, pois algumas pessoas estavam enlouquecidas, pulando e derramando cerveja em quem estava ao redor.
Então, ao considerar a conduta geral do público, que estava ainda se aclimatando e descobrindo diversas das excelentes atrações trazidas pela Balaclava, o que se pôde perceber foi uma recepção calorosa, amigável e, sobretudo, condizente com os gêneros musicais abraçados por essa edição do fest, que foram em direção ao shoegaze introspectivo e lento, ao midwest emo meditativo e ao R&B de progressões compassadas.
No que diz respeito à organização e produção do festival, vimos mais uma ótima aula da Balaclava Records, que muito tem a ensinar a produções de eventos de porte similar. Com pontualidade (rara em eventos brasileiros), excelente organização e uma curadoria fantástica “feita à mão” (que, mesmo contemplando diversas vertentes musicais, deixou evidente ter um fio condutor estético como base), a Balaclava mostra conhecer a receita e possuir os meios necessários para proporcionar ao público festivais de música bem-estruturados e artisticamente memoráveis.