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Primavera Sound São Paulo, realizado nos dias 2 e 3 de dezembro / Foto: divulgação/Primavera Sound

Publicado porFernando Vinícius

em 03/01/2024

Nos dias 2 e 3 de dezembro deste ano, foi realizada a segunda edição do Primavera Sound São Paulo, festival de música originário da Espanha, que iniciou suas atividades em 2021. Após uma excelente estreia em 2022 (que contou com Arctic Monkeys, Travis Scott e Lorde), a proposta deste ano foi mais enxuta, com número reduzido de artistas e sideshows. Além disso, a mudança de empresa responsável pela produção (que deixou de ser a Live Nation e passou a ser a T4F), levou o festival do Distrito Anhembi para o Autódromo de Interlagos.

Em comparação com a edição passada, que focou em propor a novidade, o evento deste ano se montou como um olhar ao passado, acenando à crescente aposta da nostalgia como apelo afetivo junto aos fãs de bandas e artistas consagrados. Para isso, o festival trouxe grandes nomes que há décadas movimentam legiões de seguidores, como The Cure, The Killers e Pet Shop Boys.

Com uma média de 50.000 pessoas em cada dia do evento, a estrutura muito bem organizada do Primavera garantiu áreas de descanso, cardápio variado de lanches e bebidas, sistema prático para pagamento via pulseira, diversos pontos de distribuição gratuita de água e ativações de marca que pareciam não querer disputar protagonismo com a música.

Ainda assim, alguns problemas mancharam partes do festival, como o som de shows simultâneos que, vez ou outra, vazava, e a falta de sombra que tornava uma dificuldade acompanhar apresentações no início de cada dia. De todo modo, com muito mais pontos positivos do que negativos, o Primavera Sound marcou brilhantemente o cenário cultural de São Paulo neste final de ano. 

Para te mostrar mais de perto o que rolou no evento, selecionamentos seis shows que você confere com a gente a seguir!


black midi — Primavera Sound São Paulo

No sábado, 2 de dezembro, a banda de rock inglesa black midi subiu ao palco Corona para estrear em terras brasileiras. Antes do início do show, enquanto passavam o som despreocupadamente, o público já se fazia presente. Pessoas corajosas que enfrentavam o calor intenso.

A chamada para o começo da apresentação foi feita ao estilo de eventos de MMA, com uma voz potente de locutor, seguida da música Tchu tchuca, do Bonde do Tigrão. Aos poucos, o show intenso e frenético da black midi foi conquistando a plateia, emendando linhas vocais gritadas a riffs e batidas rápidas que combinam pós-punk, math rock e jazz experimental. Funcionários do Primavera passavam a todo momento oferecendo copos e garrafas d’água, como fizeram durante todo o evento.

A banda tocou seus maiores sucessos, como Sugar/Tzu, Welcome to Hell e Near DT, MI, levando o público a abrir rodas de bate-cabeça e se entregar cada vez mais. Cada integrante do grupo soube dar seu show particular, dividindo muito bem o protagonismo no palco. Para encerrar, o vocalista e guitarrista Geordie Greep agradeceu ao público e a banda se retirou.


Cansei de Ser Sexy (CSS) — Primavera Sound São Paulo

Após quatro anos, a emblemática banda brasileira Cansei de Ser Sexy voltou aos palcos no Primavera Sound, também no sábado, trazendo uma vibe dançante e leve com seu enérgico indie eletrônico.

O show do grupo, que começou com a faixa CSS Suxxx, aconteceu no palco Barcelona. Quase toda a área em frente a esse palco estava já na sombra. Assim, todos se sentiam mais a vontade para dançar e se divertir. E, para que o público fosse parte ativa da apresentação, o grupo usou constantemente o telão como recurso interativo, passando letras de músicas, para estimular o canto da plateia, e memes famosos.

A vocalista Lovefoxxx também fez questão de se comunicar de forma sincera, divertida e emotiva com o público, dizendo em dado momento: “Se não estivesse no meu período de ovulação, o show não seria tão bom assim”. De fato, entre trocas de figurinos, ótima performance musical e conexão genuína entre banda e público, a apresentação foi das mais marcantes do festival, contando com os hits Let’s Make Love and Listen Death from Above, Music Is My Hot Hot Sex e Alala.

Para introduzir a clássica City Grrrl, Lovefoxxx leu um texto preparado e falou de coração com a plateia sobre recomeços e persistência: “Obrigado a vocês, pessoas esquisitas. Eu preciso de vocês neste momento. Desejo coragem, inspiração, que vocês tenham amigas para torcer por vocês e vocês por elas”.

Aos gritos de “CSS, eu te amo”, a banda terminou seu fantástico show e saiu de cena, enquanto a faixa Tema da Vitória, composta por Eduardo Souto Neto e usada para celebrar Ayrton Senna na Fórmula 1, tocava. Quem se divertiu e se emocionou com a CSS, foi, realmente, vitorioso.

The Killers — Primavera Sound São Paulo

Desde o primeiro show do sábado, havia pessoas “acampadas” em frente ao palco Corona, preparadas para o momento em que The Killers, headliner do dia, iniciaria sua apresentação. Muito tempo antes da banda surgir, já era difícil encontrar espaços transitáveis perto do palco. Quando as luzes se apagaram, o público começou a gritar e aplaudir com um frenesi que não se viu igual em nenhuma das atrações anteriores.

Quebrando o script batido de deixar o sucesso para o final, e talvez numa tentativa de mandar para casa mais cedo os “fãs-de-um-hit-só”, a banda abriu sua última performance de 2023 de forma explosiva, tocando a icônica Mr. Brightside.


Brandon Flowers com sua presença de palco absurda e voz potente levou o público ao delírio / Foto Chris Phelps/DivulgaçãoBrandon Flowers com sua presença de palco absurda e voz potente levou o público ao delírio / Foto Chris Phelps/Divulgação


Em seguida, emendando canções enérgicas, como Spaceman e Smile Like You Mean It, a banda levou o público ao êxtase. Todos se espremiam para chegar perto da grade e ver Brandon Flowers com sua presença de palco absurda e voz potente, que pouco mudou em mais de 20 anos de carreira. A banda segue, inteira, com vigor extremamente próximo ao do início, com perceptível paixão pela música e por apresentações ao vivo.

Brandon mostrou um português muito bem ensaiado ao dizer “e aí, São Paulo?”, e continuou interagindo com a plateia, sempre buscando instigar a maior empolgação possível e tendo a todo momento respostas à altura. Assim, o frescor da noite era celebrado com muita dança e alegria, junto à banda, que era acompanhada por um grupo de backing vocals feminino.

Depois da faixa Somebody Told Me, muitas pessoas foram embora, talvez pela escolha da banda de colocar sua canção mais famosa no início. Muitos talvez quisessem guardar energia para o segundo dia ou só estivessem muito cansados de um dia inteiro de shows. Fato é que, mesmo com um público ainda gigante, houve considerável debandada.

Em determinado ponto do show, Brandon chamou ao palco um fã que pedia para tocar uma música com a banda. A produção levou-o para tocar bateria ao lado de seus ídolos. Ao encerrar a faixa e ser aplaudido, o fã tirou uma selfie com a banda e deixou o palco.

Conforme a apresentação seguiu, a energia da metade inicial foi cedendo lugar a um cenário mais tranquilo. A música que trouxe de volta a animação do público foi All These Things That I’ve Done, a última antes do grupo sair do palco e retornar para o bis.

As faixas finais, The Man e When You Were Young, fecharam o primeiro dia de Primavera Sound com um tom de alegria nostálgica, deixando claro por que a banda The Killers move multidões há tantos anos.


El Mató a un Policía Motorizado — Primavera Sound São Paulo

A banda argentina El Mató a un Policía Motorizado, expoente sul-americana do indie rock, foi uma das primeiras atrações do segundo dia de Primavera. O grupo capitaneado por Santiago Motorizado tocou debaixo de um sol fortíssimo, para um público considerável e muito animado que os recebeu de braços abertos.

O público estava animado para receber El Mató a un Policía Motorizado mesmo no sol forte / Crédito: Divulgação/Primavera SoundO público estava animado para receber El Mató a un Policía Motorizado mesmo no sol forte / Crédito: Divulgação/Primavera Sound

Mesclando canções de seu álbum mais recente, Súper Terror (sobre o qual Santiago falou com exclusividade ao Lindie), e faixas consagradas, a banda se conectou de forma muito amorosa com a plateia. Passando por músicas como Más o menos bien, Tantas Cosas Buenas, Chica Rutera e El Tesoro, a El Mató faz seu público dançar e pular, arrancando coros parecidos aos da cultura futebolística: “olé, olé, olé, olé, Mató, Mató”.

O passeio do grupo, que hoje vai do pop-rock-industrial ao punk-shoegaze, provocou até mesmo um bate-cabeça durante a penúltima canção, Ahora Imagino Cosas, além de muitos elogios atirados pelo público, em um portunhol afetuoso e atrapalhado. Assim, a apresentação impecável incendiou, junto ao sol inclemente, a tarde quente de domingo, terminando com Chica de Oro.


Marina Sena — Primavera Sound São Paulo

Marina Sena se apresentou no palco Barcelona, encantando o público com sua sensualidade, carisma e voz afinada. O público já era visivelmente maior do que no sábado, e mesmo os espaços mais afastados já exigiam alguma disputa.

Com coreografias e swing cativantes, a cantora e compositora entregou performance alegre e divertida, dizendo que “a Marina da MPB vai voltar”. Em sua fala, Marina disse querer trazer o violão de volta aos shows, e defendeu que suas músicas são pop, mas também são MPB, dando o exemplo da canção Tudo Seu, escolhida para encerrar o show.

Entre outras faixas, a cantora brindou a plateia com seus sucessos Por Supuesto, Ombrim (Ai que delícia o verão) e Que Tal, somando elementos do funk, pop, MPB e eletrônica. E, ao final, agradeceu por São Paulo tê-la acolhido, vinda “do norte de Minas Gerais com um sonho”.


The Cure — Primavera Sound São Paulo

Para o show tão esperado do domingo (e de todo o festival), a plateia, composta de jovens com maquiagem gótica e casais de meia-idade uniformizados com camisetas do The Cure, se fez presente em uma proporção que o festival ainda não havia visto. Cada espacinho era guardado como algo muito precioso, desde a grade até as regiões mais afastadas do palco Corona.

A entrada da banda foi marcada por efeitos sonoros e visuais de chuva e trovões, remetendo a seu universo estético característico. Todos foram ovacionados por uma plateia já entregue. Inúmeros celulares gravavam e faziam lives do Instagram do início instrumental de Alone, canção recente que estará no próximo álbum do grupo. O ícone e frontman da banda, Robert Smith, vestia uma camiseta preta com estampa da bandeira do Brasil no formato de um beijo, o que provocou risos e alguns comentários sarcásticos.


Robert Smith vestiu uma camiseta em homenagem ao Brasil / Crédito: Divulgação/Primavera SoundRobert Smith vestiu uma camiseta em homenagem ao Brasil / Crédito: Divulgação/Primavera Sound


Robert disse que era bom estar de volta ao Brasil, emendando a faixa Pictures Of You e mostrando como, após décadas de carreira, sua voz pouco mudou. Ainda que essa música seja uma das mais famosas do Cure, o público em sua imensa maioria não cantava, mas olhava para o palco atentamente e aplaudia bastante.

O excesso de fumaça no palco dava ao show uma atmosfera onírica, mágica e melancólica. Esse sonho, no entanto, sofria a todo instante duros golpes de realidade — fora o miolo central da plateia, que tinha público engajado e comprometido com a apresentação, todos os entornos (ainda extremamente próximos ao palco) estavam cheios de rodas de amigos conversando, de costas para o palco, já mostrando desinteresse pela banda que há 10 anos não pisava em terras brasileiras. Esse cenário incômodo frustrou fãs e manchou as canções seguintes A Night Like This, Lovesong, Fascination Street e Push.


Fechando o festival, o show era o mais aguardado dos dois dias / Crédito: Divulgação/Primavera SoundFechando o festival, o show era o mais aguardado dos dois dias / Crédito: Divulgação/Primavera Sound


Para trazer algum alívio, a sequência das famosas músicas In Between Days e Just Like Heaven fez muitas bocas se calarem e voltarem sua atenção mais uma vez ao palco e ao rock de progressões alternativas e escuras do Cure. Mas isso durou pouco, e as conversas logo voltaram.

O volume da apresentação, estranhamente, estava mais baixo do que de havia estado em todas as outras atrações, encorajando o público que pouco ou nada conhecia a banda além de Boys Don’t Cry e Friday I’m In Love a se desligar completamente da experiência. Quem estava muito perto das laterais do palco, sofria com conversas, quem tentava ir para longe, sofria com o som muito mais alto que vazava do show de The Blessed Madonna, no palco São Paulo.

Ainda assim, a canção A Forest foi capaz de fazer a plateia vibrar. A entrega e habilidade musical de todos, mantendo o vigor em um show de quase três horas, foi a prova máxima de profissionalismo e amor à música. Daniel Thorn, intérprete de Libras que aparecia no telão, também cativou muitos dos presentes, com seus trejeitos e olhares sedutores.


Robert Smith conversou e mandou um abraço simbólico no público / Crédito: Divulgação/Primavera SoundRobert Smith conversou e mandou um abraço simbólico no público / Crédito: Divulgação/Primavera Sound


A performance seguiu, com dois encores e uma versão de Desintegration mais rápida e com inflexão melódica diferente. E, por fim, o Cure conseguiu total atenção de seu público, que vibrou intensamente e cantou com toda a força as faixas Friday I’m In Love, Close To Me e Boys Don’t Cry. Assim se encerrou o show do Cure, com palavras doces de Robert Smith e seu abraço simbólico no público. Uma experiência um tanto frustrante para fãs que não conseguiram ficar muito próximos à grade, perfeita para quem desejava som baixo o suficiente para poder conversar enquanto esperava os grandes sucessos do grupo.

Com esse clima ambivalente, que, em diferentes medidas, satisfez a todos, o público se despediu da, em termos gerais, excelente segunda edição do Primavera Sound São Paulo. O caminho de volta foi trilhado por cima de infinitos copos plásticos que inundavam o Autódromo de Interlagos, fazendo um incômodo e constante barulho ao serem pisados. Lembravam as conversas também incômodas e constantes durante o show do Cure.


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